Eu não saberia precisar quando foi que percebi pela primeira vez, mas provavelmente foi ali pelo fim da infância/pré-adolescência. Meu mundo é diferente. Ele é cinza.

Pra mim, cor, risadas, felicidade... São apenas palavras, páginas nos livros das outras pessoas.

Para mim, uma tarde chuvosa de verão, uma noite fria de inverno e um dia ensolarado de primavera são iguais. Cinzas.

Uma coisa que eu sei precisar, é o momento exato onde eu perdi as esperanças. Era um rapazola, do alto dos meus 14 anos. Estava na sala, numa sonolenta tarde de sábado, assistindo a desenhos na TV, quando uma amiga entrou correndo.

"Vem, você tem que ver!", bradava, empolgada.

"O que é?", eu quis saber.

"Uma arara pousou no balanço da casa do seu Juca!"

"E daí??"

"Ela é linda! Vem, vamos lá ver!"

Ela seguiu na frente, me puxando pelo braço. Durante o caminho, falava sobre como aquilo era a coisa mais bonita que ela já tinha visto. E, principalmente, falava sobre elas. As cores.

Ao chegarmos, vimos que a arara ainda estava lá.

"Não é maravilhosa?", minha amiga perguntou, maravilhada pela majestade daquele pássaro.

Quando me viu, a ave ergueu sua cabeça cinza, bateu as asas cinzas e alçou voo rumo ao céu cinzento.

Ao longo da vida, houve uma procissão de sentimentos, um mais cinza do que a outro. A tristeza se tornou frustração, que acabou corroída pela apatia, que deu lugar ressentimento.

Hoje, a procissão terminou. Restou apenas um sentimento. Hoje, eu odeio.

E até meu ódio é cinza.