Entenda o que a morte deseja lhe dizer
Scheffer
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 18/12/21 07:42
Gênero(s): Crítica Reflexivo
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 11min a 15min
Apreciadores: 2
Comentários: 2
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Palavras: 1868
Livre para todos os públicos
Notas de Cabeçalho

De antemão informo: é textão de conteúdo filosófico. Se você tem interesse de ler, mas não tem a vontade (quase um paradoxo, mas é possível, acredite), eu tenho uma solução: temos um vídeo beeeem legal que trata justamente da mesma questão. Vou deixar o link a seguir, e caso gostar do Canal, aproveita e me segue por lá, será um prazer e uma alegria saber que você é o meu novo seguidor :D

Um abraço e boa experiência reflexiva!

https://www.youtube.com/watch?v=s0OxBohNljg&t=578s

Capítulo Único Entenda o que a morte deseja lhe dizer

MORRER: cessar de viver, perecer, acabar, sofrer muito, cair em esquecimento. [1]

Mesmo que você já tenha encontrado alguma forma de encarar ou justificar a morte, talvez, ler as palavras acima lhe causaram um certo grau de desconforto. É incrível o poder que as palavras possuem em resgatar de nossa memória sensações e sentimentos, não é mesmo? Também considero incrível a necessidade humana de justificativas, de respostas, e a morte que o diga…

Acredito que, em algum momento da sua vida, você já deve ter se deparado com o medo da morte ou, pelo menos, com a incógnita (enigma) que a acompanha. Eu, particularmente, identifico que tenho mais medo do que o medo da morte me causa, do que a própria morte em si. E a maioria dos meus medos são assim, enormes em pensamentos, ínfimos (pequeninos) na realidade.

O fato é que tentar entender mais sobre esse medo me revela que a fundo, talvez não tema a morte, mas convivo com a visita do sofrimento de ter que viver sem as pessoas que amo ou até mesmo temo o sofrimento que poderia ser o ato de morrer. E, ao menos para mim, entender a morte deveria ser, a fundo, entender o sofrimento.

Você, por acaso, já se perguntou o porquê lembra de acontecimentos passados ruins com maior facilidade do que dos bons? A neurociência tem uma teoria interessante a respeito daquilo que nos causa e causou sofrimento. Segundo ela, possuímos uma tendência em recordar com maior vivacidade de momentos traumáticos, dado que eles servem como alerta de ameaça à vida — e caso tenha acompanhado os outros textos, você já sabe que o nosso corpo possui uma programação natural para buscar se manter vivo, lembra? Um exemplo disso é o TEPT (transtorno de estresse pós-traumático).

Imaginamos que você estava caminhando no passeio público (calçada) e, repentinamente, um carro desgovernado sobe no meio fio (cordão) e acaba lhe acertando em cheio. Você, graças a Deus e a fortuna (sorte) de Maquiavel, acaba se quebrando todo, mas, sobrevive! Depois de alguns anos, você recupera a sua autonomia e, pela primeira vez, resolve sair para ir até ao mercado.

Ao acessar o passeio, você se depara com a cor amarela do meio fio, a última coisa que você viu antes de sofrer o acidente, nisso passa um carro e o seu corpo começa agir de modo involuntário: seu coração dispara, cenas do acidente vem em sua cabeça a todo o momento, você sente um medo súbito e uma necessidade incontrolável de fugir e se proteger. Mas, o que exatamente está acontecendo?

É o seu cérebro fazendo associações involuntárias entre esse ambiente e o perigo, pois, ele funciona por pareamento. Por exemplo, se alguma coisa acontece junto com a outra ou no mesmo local, o nosso cérebro compreende que aquilo está de certo modo relacionado, ou seja, carro, calçada e cordão amarelo, por mais ingênuos que eles possam ser, acabaram sendo associados inconscientemente como ameaças. Então, mesmo você entendendo que a probabilidade de um novo acidente assim é muito raro, talvez, você precise de alguns anos de terapia e até mesmo medicamentos para “reeducar” ou “enganar” o seu corpo.

Essa memória arquiva também os eventos da vida que nos causaram desconforto, dor e sofrimento. É por isso que um ambiente saudável na infância cria indivíduos menos propensos aos transtornos mentais, pois sua memória possuí menos gatilhos associados a situações ruins (seja por casos de violência, alcoolismo, morte ou algo que você sofreu quando pequeno e não obteve o suporte que necessitava).

E, como se não bastasse viver de acontecimentos perversos (ruins) do passado (algo que cria uma tendência à depressão), também somos, involuntariamente, transportados para o futuro. Ansiedade, já ouviu falar dela? “Nada” mais é que uma propensão de nossa mente em tentar prevenir que algo de ruim aconteça (pois, algo de muito ruim já aconteceu). O problema disso é que muitas vezes gastamos um tempo considerável tentando nos prevenir de cenários catastróficos e desenvolvemos uma facilidade incrível em encontrar problemas onde eles não existem, esquecendo de viver e sofrendo constantemente por aquilo que não aconteceu e quem sabe nunca acontecerá.

E então eu fico me perguntando, alguém me explica o porquê algo desenvolvido como defesa acaba se tornando um ataque pessoal? A resposta que encontro é que, talvez, o nosso corpo não seja tão inteligente como gostaríamos que fosse, mas, mesmo assim, ele continua sendo brilhante. A capacidade de compreender o funcionamento dele e perceber e justificar sua assincronia (descompasso) entre o que queremos sentir e o que sentimos, não é um mecanismo para qualquer um em!

O nome que damos a isso é consciência. E há algo muito especial nela, seja pela crença de que ela é originária de um processo evolutivo, seja pela crença de que ela é algo divino! Eu pelo menos atribuo majoritariamente (em maior número) à consciência o nosso aumento de expectativa de vida e inclusive a beleza de ser humano: é graças ao entendimento de que sofremos e de que não gostamos de sofrer que desenvolvemos desde um arsenal (grande quantidade de objetos) tecnológico para nos manter vivos e facilitar a vida, até mesmo o nosso lado artístico que se relaciona a outra capacidade fascinante chamada de empatia.

No entanto, sinto anunciar, mas voltemos diretamente ao tema da morte. A consciência pode ter seu lado muito positivo, mas, como tudo na vida parece ter o outro lado… levo a crer que é a consciência humana que nos insere na temporalidade e nos faz ter ciência (compreender) que iremos morrer.

Uma pausa para uma reflexão absurda: existem alguns estudos que indicam que alguns animais parecem ter consciência, fico eu me perguntando se meu cachorro sabe que vai morrer, tem noção de quanto tempo de vida ele tem. Ao mesmo tempo, apesar de parecer que ele sente “medo” e também busca fugir de ameaças à vida, acabo por teorizar que talvez ele simplesmente viva sem esse fantasma. Conclusão, às vezes eu queria ser o meu cachorro.

Mas, então, por que é que mesmo convivendo com uma única certeza, a de que iremos morrer, aparentemente, a maioria de nós passa grande parte da vida dedicando o seu tempo com ações que não parecem preencher o nosso viver? Por que é que nos sentimos constantemente insatisfeitos com aquilo que fizemos e com o tempo que não temos para fazer o que realmente achamos que deveríamos fazer?

A minha resposta para isso talvez se relacione a falta de autoconhecimento. Observo que a maioria de nós não tem uma ideia clara do que realmente gosta e se sente realizado em fazer. A gente faz porque tem que fazer, vive, pois, está no mundo. O problema de não conhecer as nossas prioridades é justamente gastar tempo com qualquer coisa, chegar cansado no final do dia e além de não conseguir dormir, reclamar, pois, a sua vida está um caos.

No entanto, pior de que constatar que seu dia não valeu a pena, seria o fato de você constatar que sua vida não valeu a pena. E esse sentimento de remorso me parece ser uma das piores sensações que um ser humano possa ter. Mas, a boa notícia é que sempre é tempo de poder mudar isso e você pode começar estipulando as suas prioridades…

…eu penso que, “todo mundo deveria caminhar por um pronto-socorro pelo menos uma vez na vida. Porque isso nos faz perceber quais são as nossas prioridades. Não é o corre-corre nem o dinheiro; são as pessoas que amamos e o fato de que em um minuto elas podem estar aqui e no outro podem ter partido” [2].

E então, começamos a compreender a importância da finitude na constituição humana. Diante do exposto, a morte parece ser uma baliza que utilizamos para definir as nossas prioridades e valorizar a vida: quando temos clareza do fim e não negamos isso, também temos a clareza de que devemos gastar melhor o nosso tempo. O fato de pensar que esta vida é uma só e ela acaba, deve sim, ser a bravura necessária para descobrir e investir naquilo que lhe realiza como ser humano — coragem leitor, coragem!

No fundo, eu sei que apesar de compreender que a morte parece ser uma parte primordial ao sentido da vida, ela ainda continua sendo para muitos de nós dor e sofrimento. Talvez, nunca aceitaremos bem o fato de que iremos morrer e que as pessoas que amamos também…

Se você compartilha dor e o vazio em função da morte de uma pessoa querida, gostaria que você lembrasse que as pessoas que amamos nunca partem inteiramente se conseguirmos nutrir e eternizar a luz e a memória delas em nossos corações. Precisamos lembrar que sempre haverá em nós pedacinhos de seus gestos, ações, troca de carinho e ensinamentos. Ela foi um pouco de ti, você também é um pouco ainda vivo dela, honre isso.

E, apesar de sofrermos com o luto e a falta dessas pessoas, é necessário recordar que ainda existem outros seres que amamos e nos importamos e que precisam de nosso carinho, apoio e atenção. Então, julgo extremamente necessário tirar um tempinho para refletir se está destinando a devida atenção que essas pessoas merecem, você não concorda?

Além do que, é sempre válido lembrar que você também vai morrer — e apesar de todos nós desejar que seja daqui há um longo tempo, infelizmente não é algo que possamos prever. Então, tirar um dia (geralmente faço isso no meu aniversário) de sua rotina agitada e sem tempo para refletir o quanto você fez do que gostaria de ter feito, é um exercício importante para manter a coerência com a vida e evitarmos aquele sentimento terrível de remorso ao final dela.

Talvez, você possa estar pensando: Ana, eu não sei do que gosto, não sei qual é meu propósito, não sei nem se concordo que a vida deva ter um propósito. Bem, eu realmente te entendo, pois, passar por essas questões pode fazer parte do processo (eu mesma já fiquei anos empacada nelas). Constato que, às vezes, estamos tão mal-acostumados com o dinamismo (alta velocidade) de nosso mundo, que desejamos obter respostas profundas em menos de alguns segundos — a prova disso, talvez, foi você se perguntando qual é o seu propósito ao ler o texto e as respostas que você chegou em milésimos de segundos.

Nestes casos, precisamos compreender o peso das perguntas para termos uma noção do tempo necessário para refletir e talvez encontrar algumas respostas. Definir com clareza os nossos gostos e um conjunto de referências que norteie o nosso viver, é algo que pode parecer natural, mas não é! Precisamos gastar um tempo considerável nos observando, questionando, testando e nos conhecendo. Acredite, as respostas vão surgindo gradualmente (aos pouquinhos), quando realmente buscamos por elas!

Enfim, a verdade sobre a morte ainda é um enigma, um sentido objetivo (universal) para a nossa vida também. Mas, às vezes eu penso que não precisamos dessas respostas quando possuímos a capacidade de eternizar todos aqueles que nos tocaram de alguma forma e tornaram a nossa vida mais leve. Penso que a morte e a nossa não perenidade (durabilidade) são também situações efêmeras (passageiras) perto do amor que sentimos e da sabedoria que transmitimos para as futuras gerações.

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Notas de Rodapé

FONTE:

[1] https://dicionario.priberam.org/

[2] Livro: Como manter a mente sã/ autora Philippa Perry; tradução de Cristina Paixão Lopes. — 1° ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

Apreciadores (2)
Comentários (2)
Postado 02/06/22 17:13

ótimo texto, ótimo canal! :D

Postado 26/08/22 20:59

Fico muito feliz que você tenha gostado, muito obrigada pelo retorno <3!!!

Postado 18/04/23 12:04

Esse texto caiu como uma luva para mim, neste momento de minha vida em que me encontro tendo sobrevivido momentos de perigo mortal, tanto para o corpo quanto para a mente, e certamente para a alma. E, agora, com mais saúde e sanidade, vêm muito mais dúvidas sobre vida e morte.

Me lembrou muito uma frase que li certa vez, mas não lembro dela exata nem do autor. Era lalgo como "o que eu mais temo na vida é chegar a seu final e ter sido para nada". Não era assim, mas era parecido.

Sjow