Olá meu amor,
Sei que não tenho mais o direito de lhe chamar assim, não é mesmo? Faz um ano que nos separamos? Espero que sim, afinal esse era o combinado, de somente desenterrar essa caixa quando completassem um ano que estivéssemos separados.
Quero lhe pedir perdão por qualquer dor que lhe infligi com a minha partida, mas eu espero que após ler o meu relato irá compreender que era necessário, e que apesar de todo o meu egoísmo eu lhe amei de verdade, com todo o meu doente ser até o último momento,e por egoísmo a esse amor que agi da maneira que agi.
Ao mesmo tempo que me desculpo eu quero lhe agradecer por ter estado ao meu lado pelo tempo que nos foi concedido, e obrigado por ser a luz positiva que me acalmava.
Me lembro do dia que nos conhecemos, tu se sentou ao meu lado, naquela praça em frente ao hospital e gritou para fora sua dor e logo em seguida se levantou e gritou: Eu vou te vencer merda de doença! Escute só, eu vou rir da sua cara ainda. Você tinha acabado de receber o diagnóstico da leucemia e a sua beleza refletida naquela luz e a certeza em suas palavras me deram coragem para viver o que ainda podia, e após muito tempo sem sorrir eu sorri para ti e recebi de volta o seu aconchego.
Os seus sonhos e planos se resumiam a viver o presente, o aqui e o agora, sem arrependimentos e sem cobranças de um futuro do qual não sabia se iria existir para ti. E eu embarquei nos seus sonhos como se fossem os meus (reprimidos) e me comprometi a realizar a sua lista de coisas a serem vividas antes de morrer, afinal a minha meta era lhe fazer feliz.
Obrigada por todas as memórias boas que criamos juntos, nossos passeios de mãos dadas no parque, os momentos que comemos comidas boas e ruins, o nosso primeiro beijo, a nossa e minha primeira vez.
Tenho que lhe agradecer por todos os momentos que passamos juntos, foram muito especiais para mim, e graças a você eu posso dizer que vivi sem arrependimentos de não ter feito algo de importante na vida. Eu posso dizer que fui feliz, apesar de saber que estou prestes a quebrar o seu coração com a minha partida.
Sim meu amor, essa carta foi premeditada para acontecer antes que eu terminasse contigo, mas eu preciso que saiba que eu nunca deixei ou vou deixar de lhe amar, e ao você saber da verdade consiga entender a minha covardia.
Quando lhe conheci não premeditei me apaixonar por ti, mas foi impossível resistir.
Naquele mesmo dia eu também tive o meu diagnóstico, é eu sei que nunca lhe contei isso, me perdoe por isso, mas é que diferente de você não tinha nada que a medicina pudesse fazer para combater aquela doença que era uma reincidência continua em minha vida.
Você disse naquele dia que o grande segredo da vida era viver sem arrependimentos, sem esperar nada em troca e agradecer pelo momento e as pessoas que cruzavam o nosso caminho, pois cada uma era especial e essencial, sem importar o tempo que permanecesse ao seu lado. E eu me vi agarrando a sua existência a partir daquele momento, como uma luz e um motivo para viver o tempo que ainda me restava dignamente e porque não feliz.
A você serei eternamente grato por mostrar que a minha existência não precisava ser insignificante.
Graças a ti eu fiz as pazes com o meu passado, o meu presente e o futuro que eu não tinha.
O meu maior arrependimento será partir o seu coração, mas eu não desejo que você me veja definhando na doença, enquanto você está em remissão após o transplante. Quero e espero que seja feliz, que realize tudo que o presente tem para lhe oferecer e que você desejar.
Me perdoe pelo meu egoísmo, mas tenha a certeza que lhe amei com todas as células do meu ser (as boas e as ruins), e saiba que fiz isso porque eu prefiro saber que está chorando por um coração partido do quê por alguém que partiu desse mundo, e não se culpe por não ter percebido o que se passava comigo, você fez tudo que podia fazer por mim: me fazer feliz.
Espero que exista algo além daqui, e que eu possa lhe encontrar novamente do outro lado ou em outra vida. Enquanto isso viva o seu melhor presente, por ti e por mim.
Eu só queria que soubesse que eu o amei por esta vida e por toda existência da minha alma.
De quem sempre lhe amou,
Pedro
— AH PEDRO SEU PUTA ARROMBADO!!!!!!!!!!
— Ei Heitor, calma, não precisa gritar assim, o que tá escrito aí.
— Leia tu mesmo irmão.
Enquanto meu irmão João lia a carta eu olhava a vista, Pedro e eu havíamos enterrado aquela lata com alguns objetos que gostaríamos de preservar sobre a nossa existência juntos. Tinha um conjunto de ingresso do cinema, um do parque de diversões, uma foto nossa pulando de paraquedas, um lacre da nossa primeira coca cola dividida e a maldita carta dele.
Ele foi um grande filho da puta por ter escondido a doença de mim, mas ao mesmo tempo eu tenho que lhe agradecer por pensar em deixar que eu mantivesse a melhor memória dele, sorrindo e não sofrendo. Talvez eu tenha sido um péssimo companheiro, afinal eu não percebi o que se passava com ele, mas ele era sempre tão reservado e eu estava tão envolto no meu tratamento que achei que estava tudo bem.
Quando soube que ele havia morrido me lembrei da capsula enterrada no parque em que nos conhecemos e sabia que iria ter acesso ao mundo que foi somente nosso, ele sabia disso e colocou fragmentos das coisas que nos fizeram felizes, ele sabia que eu iria querer me culpar por não ter percebido.
Ele me conhecia bem.
— Puta merda Heitor!
— É…
— Tu vai ficar bem.
João sabia que eu iria ficar bem, afinal sabia que eu iria viver o meu melhor presente, por mim e pelo meu grande amor.