Existe um crescente rumor de que nas camadas mais profundas da Deep Web, de tempos em tempos, um monstruoso jogo de vida ou morte é transmitido em canais privados. Não que isso seja exatamente uma novidade nas inúmeras teorias de conspiração e creepypastas mundo afora, todavia há um diferencial perturbador no assunto em questão: dizem que é uma versão homicida e inumana de festa do Halloween que se dá em dentro de ambientes que lembram institutos de ensino superior. Há ainda os que afirmam que, vez ou outra, são encontrados cadáveres (geralmente com toda a espécie de lesões) de pessoas com máscaras bizarras de monstros grampeadas em suas faces, ou no que sobrou delas. Ninguém (muito menos as autoridades) sabe dos detalhes de como o tal jogo funciona ou mesmo se há alguma verdade em tudo o que vem sendo falado.
Exceto...
EU.
Sim, eu sei muito bem do que se trata, pois meu envolvimento em toda essa carnificina é mais que real: é aguardado e comemorado. Eu, na verdade, possuo alguns privilégios que me tornam especial, pois me incumbiram de ser Algoz da partida deste ano, depois de ter provado o grau que minha eficiência, letalidade e, principalmente, sanguinolência e malevolência podem alcançar.
Eu sou a pior coisa que haverá vagando naquele longínquo e isolado pedaço do Inferno esta noite, a coisa maldita e assassina livre para fazer o que quiser com quem infrigir as regras e/ou tentar fugir. E, por Satã, como isso é bom!
A empolgação é notória em meu olhar na medida em que arrumo minhas coisas e me preparo para mais um show digno da audiência cada vez maior do mais exigente dos públicos. E eu vou dar a eles muito mais do que esperam. Oh, sim... Eu vou!
Afinal de contas, eu sou Mr Mine, o Algoz da Academia de Corpos deste ano...
Penso que tal alcunha não é de toda ruim enquanto ajeito meu corpo negro e seminu na cadeira imaginária do meu Camarim antes de abrir a maleta que um jovem caucasiano loiro e assustado com minha performance me entrega. Há pranto contido nos olhos claros dele ao olhar para minha face, se é que ele poderia chamar tamanha feiúra assim. Sem dizer uma palavra sequer, abro o aparato escuro e removo dois potes: um grande com um líquido incolor, inodoro e um tanto viscoso com o qual lambuzo o rosto e outro menor cheio de cinzas de minhas vítimas (cremadas após o término do G.O.R.E de Seleção do Algoz desta temporada).
Sem qualquer sutileza, coloco um punhado do conteúdo em minha mão e o arremesso em minha própria cara após fechar seus olhos, recobrindo praticamente toda a pele. Depois, olhando fixamente para o menino, começo a bater palmas. A princípio devagar, mas com força. Depois, tanto o gesto se repete com velocidade e potência crescentes até que a pele de minhas mãos estouram, gerando um som horrível e desencadeando o choro do rapaz na medida em a salva de palmas prossegue violentamente por mais dez segundos até ser cessada abruptamente. Esta é a tinta que faltava para detalhar a pintura de minha máscara de Honjokiller, terminando por retocar meus beiços grossos com uma generosa camada escarlate.
A seguir, vem a roupa: um simples conjunto moletom preto com detalhes vermelhos e tênis igualmente escuros que em nada lembram indumentária do monstro que eu represento. Tal tecido é especial, destinado para caçadas e combates, claro. Depois, as luvas. Oh, Satã... Que luvas! Eu as coloco, sentindo a maciez do material: pele de recém nascidos embebidas em um líquido especial e com uma surpresinha embutida em cada uma delas. Testo a mobilidade manual, assim como a ativação do mecanismo secreto. Tudo perfeito. Como de praxe.
Com um sorriso demente de satisfação, me ergo vagarosamente de minha cadeira ilusória, voltando a encarar o jovem que, aos berros, tenta inutilmente há minutos abrir a porta do Camarim. Ele deve ser um dos jogadores que tentou burlar as regras e avisar as autoridades, pensando que assim iria se livrar dos Organizadores do jogo. À essas pobres almas é reservado o destino de serem "aquecimento" para Algozes antes da partida começar. Quando as luzes do recinto começam a enfraquecer até restar uma agourenta penumbra e minha música favorita começa a tocar, ele se vira chorando copiosamente e, caindo de joelhos, implora por misericórdia.
Fazendo mímica de modo a emular uma serra elétrica e imitando perfeitamente a movimentação de Leatherface em uma das cenas mais icônicas do filme, meu sorriso hediondo só faz aumentar enquanto o menino grita e recua de costas rumo a uma parede, sem qualquer reação diferente ou saída. Passo após passo, finalmente chego perto o suficiente para sentir o odor do medo exalando do jovem. Assim como o de fezes. Ou seria urina? Bem, não importa: tanto melhor...
Por um instante, a visão de tamanho desespero diante de meus olhos me encanta. O modo como o garoto chora e se retrai enquanto suplica a plenos pulmões por piedade ao som de uma versão ainda mais sinistra de "The Storm", ainda que não tenha existido uma caçada prévia me é, de certo modo, uma degustação malevolente e bem vinda. Mediante mímica, dou a entender que a serra elétrica imaginária parou de funcionar e, "dando os ombros", a atiro para trás.
Então, após um leve suspirar, um pouco de concentração e com uma velocidade e precisão incríveis, eu agarro um dos tornozelos do rapaz e puxa para trás e para cima, deixando o corpo dele de ponta cabeça e de costas. Ele se debate e grita devido ao medo e à dor absurda que o aperto tenaz de minha mão proporciona, mas minha risada doentia supera até mesmo o ápice da canção quando, novamente de modo célere e com uma força hercúlea suspendo e bato o corpo do garoto contra o piso do Camarim, que chega a rachar consideravelmente com o impacto do crânio e dos ombros dele na superfície pétrea.
A cabeça do jovem parece ter explodido por completo, tamanha a potência do ataque ao qual fora submetida, reduzindo o que um dia foi um rosto bonito a dezenas de fragmentos nojentos em meio a muito sangue e massa encefálica espalhada até nos rodapés do recinto. Eu largo o cadáver que ainda se move em espasmos bizarros e jorrando fluído quente e escarlate pelo pescoço, mas a quando as luzes do recinto se acendem de novo, meus olhos adquirem um brilho fascinado com o resultado obtido. Nada mal para um aquecimento. Nada mal mesmo!
Pouco tempo depois do assassinato do rapaz, a música cessa e o Tablet sobre a mesa emite uma discreta vibração ao tocar a música tema do filme Jogos Mortais, anunciando o início do jogo de Halloween da Academia de Corpos deste ano. Readquirindo a compostura e sentando novamente na minha cadeira imaginária, eu apanho o aparelho e visualizo a seguinte mensagem:
Bem vindo a mais uma Temporada de Academia de Corpos. Você é o Algoz desta noite.
Lembretes:
- Só é permitido atacar Acadêmicos(as).
- Proibido atacar um(a) Acadêmico(a) que possua a Marca de True. Em caso de encontro, o Algoz deve se evadir e o item será consumido. Um novo encontro só pode acontecer depois do status "Trégua" acabar.
- O Jogo termina quando restar somente você e/ou um(a) Acadêmico(a) que tenha alcançado a Graduação.
- Se você infringir as regras, True virá atrás de você.
Ao ler a última mensagem, meu sorriso se desfaz por alguns instantes. Pouquíssimas coisas e pessoas no mundo conseguem fazer isso e a aberração citada é uma delas: mesmo eu correria um risco imenso se aquela monstruosidade aparecesse em meu caminho...
Mas, assim que a mensagem some e a lista de Acadêmicos é revelada, meu rosto volta a adquirir o aspecto risonho e doentio de sempre. Cada participante do Jogo é apelidado por si mesmo(a) e nenhum dado exceto sua localização aproximada é fornecida: afinal, as coisas tem de ser emocionantes para mim e para o público também. Tanto melhor! Então, rindo baixinho e de modo assustador, me ergo da cadeira que nunca de fato existiu e rumo até a saída do Camarim estalando o pescoço e os dedos de maneira ruidosa e ameaçadora.
A Academia de Corpos finalmente começou!