Ela era uma coisinha preciosa, sorridente e vívida, sempre a saltitar e cantarolar por onde quer que fosse seu caminho.
A Huldra tinha a luz do sol na alma, pequeninas pérolas como dentes, uma pele fresca e sedosa, cabelos enrolados como se enrolam os cachos das videiras, olhos verdes cor de floresta e um corpo minúsculo que continha tanto poder...
Ela podia ter seguido sua sina. Se tornar uma deusa da criação, uma ninfa do prazer, tinha o fogo de todas as ancestrais dentro da vulva e a força dos deuses no coração... Mas ela se apaixonou por um humano, ou dois, ou três ou quatro...
Este último, ela achou mesmo que seria celestial, mas aquele amor tão bom, logo se tornou caótico como os outros e mais uma vez, mais uma cansativa e interminável vez, ela foi quebrada em um zilhão de micropartículas.
E toda magia se foi.
O brilho nos olhos, a vida selvagem, o desejo por calor humano e qualquer razão que ainda restava para viver.
Contemplou mais uma vez a imensidão de seus fracassos, se viu no reflexo da água do rio e já não era mais nada com o que se parecia, quando se lembrou de quem um dia fora... Será que aconteceu mesmo?
A Huldra compreendeu que o mundo moderno, odeia magia. Odeia sonhos, odeia arte, odeia tudo que é puro e bonito. A praga da Terra são os humanos.
Como diabos, criaturas tão nojentas e monstruosas, podem ser capazes de atingir tão vorazmente, um coração tão forte quanto é o coração de uma deusa?
Estraçalhada, sem respostas e sem energias, a deusa esticou sua cauda e deixou com que ela tremulasse no ar.
Tocou sua pele e detestou a textura.
Enfiou as duas mãos dentro de sua cratera negra e habitada nas costas e abriu aquele buraco imenso ainda mais. Todo tipo de criatura grotesca escapou dali, ela se sentiu mais leve, porém, ainda detestável.
Que pele é esta? Que vida é esta? Qual é o propósito de existir se a sina apenas aponta para dois destinos: glória ou miséria?
É claro que ninguém escolhe de fato, a miséria. Ela nasce encriptada na alma e não tem escapatória. Não tem saída.
Não tem.
A Huldra, outrora maravilhosa, esticou seu corpo para conseguir tocar melhor a água mórbida daquele rio.
O rio era cristalino, cheio de algas distintas, peixinhos fascinantes, pedrinhas coloridas e o reflexo de uma grande tola.
Ela estava decidida.
Nem olhou para trás, pois as lembranças daquela existência já eram suficientemente doloridas, as últimas lágrimas que seus grandes olhos choraram, apenas escorreram como cachoeiras, sem ser preciso qualquer esforço.
Ao tocar e engolir para sempre todo abismo que a Huldra consumia, o rio se tornou apenas uma poça de ossos e lama.
O dia seguinte bocejou como uma criança gulosa, a Terra continuava lotada de piolhos de duas patas.
A floresta continuava decaindo pouco a pouco.
Os quatro humanos que ela amou, ainda não haviam acordado e estavam tendo sonhos lindos, mas o despertador de cada um deles, logo berraria para o início de um novo ciclo de escassez de forças que toda segunda-feira sempre proporcionaria.
A Huldra se foi.
O universo, com seus barulhos e energias e geringonças cosmicamente irritantes, continuaria ali... Existindo para si mesmo, e sendo um grande mistério mortal para todos, sejam estes mortos ou quase vivos.