A sala era modesta, apenas duas poltronas de couro preto, separadas por uma luminária desnecessariamente grande, um tapete branco fofinho e alguns poucos quadros abstratos espalhados pelas paredes. A única janela ficava no sentido oposto da porta de pinho de riga, mas a paisagem era tão desinteressante quanto a dos quadros. Do lado de fora, apenas um mar desértico de grama mal cortada e semimorta.
Em uma das poltronas estava uma mulher de cabelos curtos e loiros, mastigando a tampa de uma caneta com sua boca pintada de vermelho. Seus olhos cor de mel vagavam pela caderneta de folhas encardidas, estava intrigada com o que lia. Antes que pudesse trocar de página, a porta atrás de si se abriu e dela vieram dois homens altos e fortes, vestidos de brando, e uma pequena mulher, que usava um lindo vestido ciano, de alça e decote em v. A jovem de cabelos esverdeados sentou-se na poltrona vazia e observou enquanto seus acompanhantes deixavam a sala, trancando a porta e deixando as duas completamente sozinhas ali.
— Meu nome é Liv, e eu vou só te fazer algumas perguntas, todo bem? — Falou, trocando a caderneta por uma prancheta de acrílico.
— Tudo bem, não é como se eu tivesse alguma outra coisa para fazer.
— Você poderia me dizer o seu nome?
— Imperatriz, Imperatriz do Massacre. É assim que todos me chamam no inferno e em algumas outras dimensões.
— Mas você possui outro nome, certo?
— As fadas me conhece como Yvi. — Fez uma pequena pausa, colocando a mão no queixo. — Flávia. É, alguns ainda me chamam assim, mas eu prefiro ser chamada de Imperatriz, okay?
— Claro, sem problemas.
— Obrigada.
— Poderia me contar um pouco sobre você?
— Só o meu nome não é suficiente para você saber quem eu sou? Não fez o dever de casa, senhorita Liv?
— É claro que eu fiz, mas gostaria de ouvir da própria lenda viva.
— Se insiste.
Imperatriz endireitou-se na poltrona, buscando a posição mais confortável que conseguisse encontrar, parando apenas quando estava com as pernas dobradas em cima do estofado. Liv apenas observou em silêncio, sem anotar nada.
— Eu sou e não sou, sabe? Nasci do caos e me torneio o vazio. No início não foi fácil, mas depois que o tio Diab me encontrou, eu comecei a entender mais do mundo e me tornei a melhor e mais insana criatura da noite.
A jovem ostentava um sorriso invejável, enquanto Liv permanecia séria, anotando tudo que julgava ser importante para sua “matéria”. Se tinha alguém que lhe intrigava, era a Imperatriz. Já havia ouvido várias histórias sobre os feitos grandiosos da primeira sobrinha do Diablair, mas aquela era a primeira vez que estava frente a frente com ela. Estava eufórica, mas não podia demonstrar, então concentrou-se ao máximo para absorver tudo.
— Tio Diab. Está falando do Diablair?
— Bom, aí depende de qual Diablair você se refere. Nós preferimos chamar ele de Tio Diab justamente para evitar confusões com o True, uma criaturinha muito perigosa, que já me deu muito trabalho. Quase morri por causa daquele infeliz, e olha que eu nem sou de morrer facilmente.
— Oh, desculpe a confusão. Mas, então, me conta um pouco sobre o teu tio.
— Ah, o tio Diab é a melhor criatura que já habitou o inferno. Nem a Deusa, maldita seja!, consegue superar o meu tio. Ele é o atual líder das Hordas Infernais e comanda o inferno com garras de ouro.
— Ouro? Não seriam de ferro?
— Algumas criaturas não podem com ferro, então eu preferi adaptar.
— Certo, continue, por favor.
— O tio cuidou de mim a pedido da deusa. Ele me treinou, me ajudou com os meus planos divertidos e até me deu alguns bichinhos de estimação. Quando ele não é o True, é uma ótima criatura.
Liv anotou cada detalhe. Seus olhos brilhavam a cada nova informação obtida. Ela precisou pedir uma breve pausa para a Imperatriz, afim de conseguir mais papel para sua prancheta, pois tinha medo deles acabarem em algum momento importante da entrevista. Depois que um de seus ajudantes trouxe o papel, Liv arrumou sua jaqueta branca e voltou a falar com a Imperatriz, que parecia perdida em pensamentos, enquanto olhava fixamente para um dos quadros da parede.
— Gosta do que vê?
— Não. Me lembra a grande guerra. É perturbador.
— Posso pedir para tirarem, se preferir.
— Não, pode deixar aí. É uma boa lembrança.
— Bom, eu sei que você tem uma afilhada. Gostaria de me contar?
— Claro! O nome dela é Tortura e ela é a melhor afilhada que alguém poderia ter. Eu e ela formamos uma dupla perfeita, até no escuro. Imagine só, certa vez enganamos o próprio Narciso.
— E como foi isso?
— Fingimos cegueira, capturamos e matamos. Acabamos levando o corpo para a mansão e, bem, o estrago aconteceu. Acredita que aquela alma do capeta destruiu toda nossa casa? Pelo menos eu tinha pacto com fadas e elas salvaram a minha coleção de olhos.
— Coleção de olhos? Dessa eu não sabia.
— É minha marca registrada, Liv. Eu guardo os olhos de todos os que mato. Durante a grande guerra, consegui até mesmo olho de ciclope. Foi um dia épico.
Imperatriz voltou seu olhar mais uma vez para o quadro a sua frente, nostálgica. Lembrava, com detalhes, como tudo tinha acontecido durante a guerra, como ela ergueu seu domínio e subjugou todas as criaturas da noite que foram ao seu encontro, como ela foi possuída pelo duende....
— Aquele maldito!
Liv percebeu uma mudança abrupta no comportamento de sua entrevistada. Ela conseguia sentir uma fúria emanar da jovem que estava sentada a sua frente e sabia que poderia ser perigoso, mas queria ver até onde a história poderia ir, então lançou todas as suas fichas no incerto.
— Está falando sobre o Duende?
— De quem mais poderia ser, sua burra? Ele quase matou toda a minha família! ELE QUASE ME FEZ MATAR ELES.
Imperatriz deu um pulo da cadeira e avançou no pescoço de Liv, que não teve como evitar o golpe.
— Está assustada? Só com isso? NÃO É NADA, PERTO DO QUE AQUELE MALDITO ME OBRIGOU A FAZER.
Liv estava assustada, mas ainda assim não pediu ajuda, apenas manteve a calma e olhou bem no fundo dos olhos da Imperatriz, buscando algum motivo para justificar os atos violentos.
—Você pretende tirar o meu sangue também, não? Você me trouxe aqui para me controlar e me fazer matar a minha família? Eu sinto em te informar, mas isso não é mais possível! EU NUNCA MAIS VOU SER CONTROLADA POR NINGUÉM!
Imperatriz apertou com mais força o pescoço de Liv, forçando a cabeça da loira contra o estofado da poltrona. Sem muitas opções restantes, Liv acionou um pequeno botão que ficava na lateral do braço da sua poltrona e logo em seguida dois enfermeiros invadiram a sala, separaram as duas e sedaram a paciente.
— Fascinante! — Liv disse, eufórica, passando a mão no pescoço.
— Como pode dizer algo assim depois de quase ter morrido?
— Ela ficou tão louca quanto os pacientes que trata, Rainar.
Os enfermeiros colocaram a falsa Imperatriz em uma cadeira de rodas e saíram da sala, deixando Liv e sua fascinação para trás.