O som de passos desembestados repercutiam por toda a antiga escadaria da Academia, ecos podiam ser ouvidos vez ou outra, eram da diretora Shizu que pulava degraus. Ela havia provado sua inocência e agora tentava se recompor depois de um ano turbulento que tivera no último halloween. A mulher ainda temia cada dia e desconfiava até mesmo de sua própria sombra, por isso, decidida a evitar novas tragédias, tomou a decisão de não reabrir a Academia ao público, ainda haviam muitos segredos e mistérios que insistiam em se manterem cada vez mais secretos.
A Instituição permanecia sendo o maior antro de bizarrices que ela já havia estado, mas não neste ano — ela tinha ficado “esperta” — nenhum sangue seria derramado, não se isso dependesse dela.
Em sua correria Shizu escorregou em alguns degraus, levantando novamente, era preciso apressar-se os barulhos que vinham do lado de fora arrepiava os pelos de seus braços. “O que poderia ser agora?” — rodopiou em sua mente, junto de outros tantos pensamentos pessimistas.
Ao alcançar a grande entrada a mulher parou bruscamente, quando uma forte rajada de ventos e folhas abriram as mesmas que bateram estrondosamente nas paredes, sem reação ao susto ficou por alguns instantes parada cobrindo o rosto. Um tremor percorreu seu corpo, era como no ano passado.
"Eu preciso fazer algo" — ela pensou.
A noite entorno da Academia já encontrava-se diferente, uma energia grosseira pesava o ambiente e o deixava obscuro, dando a lua nova um brilho intenso e amarelado, as árvores rangiam ao menor movimento e as águas do lago borbulhavam uma névoa quente e pegajosa, nem mesmo o belo jardim de entrada era o mesmo.
Era um novo mistério de halloween que batia a porta entrando a mara.
— Por Asami, o que está acontecendo aqui? — resmungou a diretora que ainda não sabia do que aquilo se tratava, estava com seu pijama favorito e uma lasanha esquentava no forno, esperava apenas que desse tempo de resolver o mistério e ainda ter uma noite italiana e singela. No entanto, mal ela sabia o que lhe aguardava no futuro.
Guiada pelas luzes, a origem daquela confusão, Shizu deparou-se com um enorme livro que pairava no ar sobre sua cabeça, suas páginas folheavam com o vento, infinitamente enquanto esferas de luz saiam circulando em volta.
Aqueles globos luminosos riam, choravam e bufavam, tornando aquela visão fantasmagórica ainda mais surreal. Porém, foi quando um destes empurrou a mulher que percebeu o chão em trevas que se espalhavam por ali, consumindo toda a vida por onde passavam.
A mulher se afastou poucos passos, suas mãos gélidas tremiam.
— Oh! Não… de novo, não… — até mesmo sua voz tremia. — Comigo, não…
Ela estava quase entrando em pânico.
— O Li-vro das Sombra-s… — arfava Valdemir que chegou de repente. — Acho que fiz algo com ele...
— O quê? — seu sangue borbulhou em suas veias e ela agarrou a camiseta do professor. — Foi você quem fez isso?! — os dentes cerrados e os olhos esbugalhados de pavor e raiva, davam a diretora uma face apavorante.
— Eu... Eu... — o homem juntou as palmas das mãos e começou a choramingar. — Mil perdões!
Não adiantava pedir desculpas, era tarde demais.
O Livro das Sombras era um dos artigos mais estranhos, instáveis e perigosos que foram encontrados na Biblioteca Secreta, dentro da alma de cada página, uma criatura sobrenatural era mantida presa, para fazerem suas maravilhas apenas no mundo literário, deixando o mundo dos humanos em "paz"... até agora.
— Valdemir!!! As criaturas! Elas escaparam?! Como você fez isso?
— Eu estava olhando os livros e, em algum momento, acabei lendo em voz alta as palavras. As coisas começaram a ficar estranhas e as criaturas começaram a tentar sair, eu tentei fechar o livro, eu juro, mas o livro saiu voando! Corri atrás dele, mas perdi de vista…
— Você é um imbecil! O que queria lendo os livros? Principalmente esse, eu te alertei! — a mulher suspirou. — Ah! Valdemir… O que faremos?
Os céus em resposta, se fecharam e uma chuva congelante começou. As luzes e vozes se intensificaram conforme o vento que soprava as páginas do livro, ficou cada vez mais forte. Shizu e o professor Valdemir caíram com as rajadas fortes, hipnotizados por aquele clímax mortal, permaneceram sentados.
— HEREGES!!! — disse uma voz ríspida que parecia vir de todas as direções. — VIOLADO FUI! AS CRIATURAS PERDIDAS, ENCONTREM E AS SELEM DE VOLTA, OU QUALQUER SINAL DE VIDA, JAMAIS VERÃO NOVAMENTE! — a fala era repetida por vozes baixas ao longe.
— ...Achá-las?! Onde? — Shizu indagou à... entidade do livro.
— PERDIDAS, VINTE ALMAS VAGUEIAM POR ESSAS TERRAS SANGRENTAS, SEUS ESCONDERIJOS DEVEM ENCONTRAR E AS SELAR EM MINHAS NAS PÁGINAS PARA TUDO VOLTAR AO SEU LUGAR! — a voz ignorou a mulher e seguiu ordenando.
— Ele te ignorou, Diretora… — o professor ficou surpreso.
— TRINTA LUAS, LHES CONCEDEREI, SE DESTE PRAZO PASSAREM, SELAREI TODA A ACADEMIA EM TREVAS E FAREI DESTA UMA PÁGINA MINHA! — Um tremor de terra foi sentido, quando as luzes se dispersaram e a ventania chuvosa foi sugada para dentro do livro que se fechou caindo aos pés dos presentes.
Desta forma rápida, tudo ficou calmo.
Os olhos se cruzaram e ambos queriam perguntar a mesma coisa: “O que aconteceu aqui?”
— Trinta luas… para encontrar vinte criaturas… — Shizu mordeu a boca. — Hum... Trinta dias..— ela olhou o professor, preocupada. — O território da Academia se estende muito além do que podemos ver, como faremos isso em trinta... dias?
— Só há uma maneira...
— Não me diga que está cogitando mesmo isso…
Valdemir sorriu: — Sim!
— Não, negativo! Eu não vou envolver mais nenhum acadêmico nas confusões desse lugar… Não... Temos de dar um jeito nisso sozinhos.
— Shizu, chamaremos os melhores e eles virão nos socorrer! De qualquer forma, muitas destas criaturas não são fatais, são apenas almas persas em sofrimento... Buscam liberdade. Não me surpreenderia em afirmar que nem fiz esforço para que elas saíssem — o homem explicou, enquanto resgatava o livro.
— O que quer dizer com isto? — Shizu agarrou o homem pelo colarinho, dessa vez jurava que o mataria.
— Nada, diretora — Valdemir gaguejou um meio sorriso amarelo.
Ao longe, eles ouviram passos descompassados quebrando galhos no meio da floresta.
— Não estamos mais sozinhos... — Shizu observou. — Parece que essa bagunça criada por “alguém” atraiu algo.
Risadinhas macabras e espectros obscuros começaram a invadir as árvores.
— Vamos precisar do máximo de acadêmicos possíveis para salvar a academia desta vez... — resmungou Valdemir.
Tomando o livro para si, a mulher retrucou: — De que adiantaria várias pessoas se não temos pistas de onde procurar?
— PISTAS! — urrou o livro em suas mãos.
Os dois ficaram espantados e se entreolharam novamente.
— Se estava me escutando, por que não respondeu antes?! — disse Shizu sacudindo o manuscrito.
O livro a ignorou e seguiu: — OS PERGAMINHOS, DESVENDAM E O LOCAL DEVEM ACHAR — o livro calou-se novamente.
A diretora bufou e o professor riu da situação.
...
Horas após o choque inicial, os dois já haviam considerado diversas opções, mas todas giravam em torno de um número maior de pessoas ajudando. Assim a mulher cedeu a ideia de abrir a instituição novamente e pedir pela ajuda dos acadêmicos. Era questão de vida ou morte, como sempre era na Academia.
— Eles virão! — disse Valdemir esperançoso, enquanto digitava no computador.
— A que custo, Valdemir... A que custo...? — Shizu debruçava-se sobre o livro negro. Lá fora, o céu estava limpo como se aquela visão assustadora nunca tivesse acontecido.
— Outra vez nos encontramos no meio de uma bizarra situação… — o professor riu seco, fechando as cortinas da diretoria.
— Mas é claro, Valdemir. É outubro na Academia e dessa vez o selo do livro das lendas se rompeu, e foi VOCÊ, quem rompeu ele — ela disse com a voz séria e olhos focados, inspecionando as pistas, agora visíveis no livro das sombras.
Uma campainha foi ouvida do forno.
— Vou arrumar isso! — disse sentada à mesa.
— NÓS vamos arrumar isso — disse tirando sua lasanha do forno e reclamando. — Ah! Torrou um pouco do queijo...
— Sim! Já passamos por coisas piores...
— Valdemir! Na boa, cala a boca e peça uma pizza... Eu não vou dividir minha lasanha com você!
O vento assobiava levantando as folhas do pátio, as paredes começaram a sussurrar e cada cômodo parecia ter um segredo a mais.
TOC-TOC.
Um bater na porta alertou os dois adultos.
Prontamente, sem temer mais nada, Shizu abriu a grande porta e se deparou com um grupo de pessoas encapuzadas.
— É aqui que precisam de ajuda para caçar umas lendas? — indagou o mais próximo.
Shizu sorriu e os convidando a entrar.
O Período das Lendas se iniciava na Academia de Contos.