Ela vagava pelas escuras e profundas águas do mar, podia ver o reflexo da luz da lua prateada sobre a superfície da água fria. Emergindo, observou àquela que iluminava a noite. Erguendo as suas pálidas mãos escamosas, tentou apanhar a Lua, mas não obteve sucesso, devido à distância que se encontrava. Marine desejou tomá-la para si, pois assim como a grande esfera iluminava o céu noturno, a pequena sereia queria que iluminasse dentro do seu tolo coração também. A muito tempo o seu pobre coração e mente vem sendo assolado pela escuridão. A jovem sereia acreditava que, assim como a Lua iluminava o firmamento, iluminaria sua longa vida também.
Segurando-se nos corais, observou a eterna e lenta dança do mar e da Lua; era gracioso de se observar. Com um suspiro lento e cansado, Marine se preparou para mergulhar e voltar para a sua casa, porém, algo a fez parar. Fitando a superfície calma do mar, sentiu leves vibrações da água sendo agitada. O mar estava perturbado com algo. Mergulhando rapidamente, Marine tentou procurar o que nem mesmo ela sabia do que se tratava, até que ela o viu…
Uma criança, um pequeno garoto humano. Ele se debatia dentro da água salgada, lutando contra as ondas, para assim poder voltar de volta para a superfície. Os olhos dourados da sereia observavam os cabelos cor de areia do garoto, assim como a pele pálida que quase não parecia ter visto o sol, Marine o achou a criatura mais bela do mundo. Com cuidado, aproximando-se lentamente, enquanto o pequeno corpo já não se debatia mais e começava a afundar dentro da água salgada, dentro do escuro e vazio mar, assim como o coração da sereia. Então, a criatura mitológica entendeu o porquê do mar estar agitado, ele levaria uma alma. Marine sempre teve uma aversão pelos humanos, desde que eles arrancaram-lhe algo preciso. Mas, naquele momento, ela não sentiu-se satisfeita ao ver aquela criança sofrer em agonia, ao contrário, sentiu o seu coração doer. Tocou o rosto do menino com suavidade, Marine viu a vida do garoto sendo ceifada diante dos seus olhos.
Com o coração apertado, olhou os olhos do menino, de um azul tão puro que lembrava o céu do amanhecer, mas eles demonstravam medo; ele era jovem demais para morrer e ela se culparia por toda a sua vida por deixá-lo ali. Desejando salvar aquele garoto, não se importou com as consequências que viriam, ela não tinha mais nada a perder. Em um gesto lento e receoso, a sereia espalmou com uma mão o peito da criança, enquanto ela o puxava carinhosamente para os seus braços. Lentamente, ela selou levemente os seus lábios cheios na pequena testa pálida, fazendo assim serem envolvidos por uma luz esverdeada. Marine sentiu a energia saindo dentro de si e indo diretamente para aquela pequena criança. Nadando rapidamente em direção a superfície, chegou a tempo da criança tossir toda a água salgada que havia engolido e inspirando com desespero o oxigênio.
Apoiou o garoto sobre os corais, fitou-o com preocupação, enquanto ele deixava o oxigênio entrar com abundância em seus pulmões. Marine fitou como o garoto batia o queixo e se tremia, encolhido nos corais, mas ela não sabia se era de frio ou por causa do susto que levara.
O garoto, por sua vez, fitava a criatura em sua frente com extremo encanto. Por mais novo que fosse, ele sabia o que ela era, havia visto dezenas de pinturas de seres como ela pelos livros empoeirados do castelo.
— Você salvou a minha vida — disse com dificuldade, enquanto ofegava. Ele ergue sua mão trêmula com dificuldade em direção ao rosto da criatura mitológica, tocando assim na bochecha escamosa e gelada. — Você é uma sereia de verdade?
Sentindo o coração se agitar em seu peito, Marine não esperava por aquele toque e muito menos que ele soubesse o que ela realmente era, afinal, ele era muito novo.
— Sou — disse ela, com a sua voz suave e cantante. Não era a primeira vez que falava com um humano, por mais errado que isso fosse, mas, diferente da última vez, ela sentia-se confortável.
Então, os olhos do garoto se arregalaram, mostrando com clareza a sua surpresa. Marine fitou os olhos da criança com mais admiração, pois não conseguia ver malícia, maldade ou ganância… Era apenas inocência e devoção, tudo em abundância. Ele era diferente dos outros, disso ela tinha certeza, contudo, sabia que quando aquela criança crescesse talvez se tornaria igual aos demais de sua espécie.
— Você me salvou. Peça-me o que quiser e eu lhe darei — disse ele, olhando-a com admiração.
Marine aproximou-se dos corais, apoiando a sua mão escamosa ali, observou o garoto com curiosidade. Com um suspiro, ela disse:
— Não conte a ninguém sobre mim!
O garoto a fitou e sorriu, enquanto levava a sua mão direita em direção ao coração e fazendo uma leve reverência à sereia. Marine fitou-o com encanto, devido ao gesto de respeito que ele demonstrara por si.
— Tem a minha palavra que eu não contarei — disse ele.
E de fato, ele não iria.
Em gesto rápido, Marine ficou de costas com brusquidão, pronta para voltar para a casa, pois o seu serviço fora concluído, ela salvou a criança e agora poderia voltar para a escuridão do mar.
— Por favor, diga-me como se chama!? — A sereia escutou ele dizer em voz alta, fazendo-a parar.
— Marine e o seu, pequena criança? — perguntou ela ainda de costas. Para o garoto, a voz da sereia era como pequenos sinos, era uma voz que desejava ouvir para sempre.
— Dominic Macchel. — Ele admirou os longos cabelos da criatura, cabelos esses que lembravam o mais puro ouro. — Eu a verei novamente, Marine? — perguntou, temendo que ela lhe dissesse “não”.
Então, virando-se lentamente, a sereia observou a criança olhando-a com expectativa.
— É o que deseja?
Assentindo com a cabeça, ele sorriu com empolgação.
— Sim!
Marine segurou a mão do garoto com suavidade e beijou-lhe a palma com ternura, fazendo assim a luz esverdeada cobrir aquela pequena mão. Dominic sentia um pequeno calor naquela área, era confortável.
Sentindo-se ligada a aquela pequena criança, a sereia acariciou os cabelos cor de areia, enquanto fitava os olhos mais puros que já havia visto. Pela primeira vez em muito tempo, sentia o seu coração aquecido.
— Farei como desejar. Então, não se esqueça de mim, pequeno Dominic — disse ela, beijando mais uma vez a mão do garoto.
— Não me esquecerei! — Ele disse com determinação.
Ela sorriu. A muito tempo não sorria, nem ao menos se lembrava qual era a sensação, mas agora ela estava ali, permitindo-se deixar um sorriso desenhar em seus lábios cheios. A criança, por sua vez, observou-a com profundo encanto.
Escutando vozes de pessoas se aproximando, temendo ser vista, em um gesto rápido, Marine mergulhou de volta para o fundo do mar. Ela espalmava o seu peito, no lugar onde ficava o seu coração, nadando de volta para a casa, tendo o rosto perfeitamente desenhado do garoto em sua memória.
A criança, por sua vez, gritou, clamando por socorro. Os guardas que estavam ali perto, foram em direção ao garoto, tirando-o dos corais. Quando questionado em como ele chegou ali, a criança disse que havia nadado, mas todos sabiam que era uma mentira, pois o príncipe Dominic não sabia nadar.
[...]
Marine voltou na noite seguinte, desejando ver aquela pequena criança outra vez. A sereia sentia-se ligada a ele, como se ele tivesse um pedaço de si, Marine sabia que isso era por causa de ter salvo a vida do menino, sabia que era o mar cobrando-lhe. Afinal, ela roubou do mar e todos sabiam que se tirasse algo do mar, ele também tiraria algo de si ttambém.
Eles encontravam-se todas as noites; ele contava-lhe histórias, dizia como era a vida fora do mar e, dia após dia, aquela invisível ligação se fortalecia. A sereia criou um enorme apreço por aquele menino.
No entanto, até que um dia Dominic não apareceu. Ela havia ido no outro dia, no outro e no outro… Mas, ele nunca mais voltou para aquela praia, nunca mais contou-lhe histórias.
“Estarei aqui amanhã ”. Ainda era capaz de ouvir a última coisa que ele lhe dissera, antes dela partir. Naquele momento, as palavras lhe soavam falsas e mentirosas, pois Dominic Macchel esqueceu-se de si. Afinal, ele era um humano e ela sabia que nunca deveria confiar em um.
Ele se esqueceu, mas ela sabia que lembraria daquele garoto para sempre, pois, por um momento, um pequeno momento, ela foi capaz de sentir-se aquecida, como se tivesse encontrado o Sol. Contudo, isso foi arrancado de si novamente; ela estava sozinha. Ele partiu com a promessa que voltaria no dia seguinte.
Sentindo algo molhado escorrer por sua face escamosa, a sereia voltou para o mar, sentindo um vazio dentro do peito. De fato, ela havia roubado o mar e o mar cobrou, tirando algo de si também... o seu coração.