Eu sou um Lírio dolorosamente triste. O que antes havia de Branco, puro e inocente, cheio de amor incondicional, ruiu pouco a pouco quando ele chegou todo Amarelo, me dizendo que a nossa amizade poderia se transformar em romance.
Se eu soubesse antes, se eu tivesse tido a educação necessária, eu poderia ter conseguido me defender. Mas consegui somente ser vítima de meus próprios desconhecimentos.
Mas que culpa eu tenho, se o Branco era minha única visão de mundo, e nenhum adulto nunca tentou me mostrar que o Branco, infelizmente, não era a única cor existente.
Desde que eu me lembre ele sempre fora Vermelho, mas eu era nova demais e não sabia interpretar o desejo lascivo que exalava dele. Eu só enxergava ingenuamente partes Brancas, sem entender que, na verdade, esse Branco era somente um reflexo de mim que eu enxergava em seus olhos.
Desde criança eu sempre havia gostado tanto dele, como o meu melhor amigo. Mas infelizmente esse mundo nos expõe desde cedo a deturpar o significado de amizade e transformá-lo em romance, mesmo que sejamos apenas crianças inocentes e sem maldade alguma no coração.
Eu lembro de minha mãe sempre me dizendo que criança não namora. Eu concordava com ela. Eu não queria namorar ninguém, eu era apenas amiga dele – mas sendo influenciada por todos os lados a enxergar nossa amizade como sendo minha primeira paixão.
E ele? Quanta culpa ele poderia ter em todos os acontecimentos que se sucederam? Eu tenho certeza absoluta que ele também era Branco quando tinha a mesma idade que eu tinha naquela época. Mas eu me lembro muito pouco dessa cor sendo parte dele. Minhas memórias verdadeiras se lembram de sua imagem apenas como intenso Vermelho. Ele e todos os seus amigos meninos, da mesma idade, se reuniam em volta de um celular, em um canto muito longe dos adultos, e todos se Avermelhavam ainda mais, exalando algo que naquela época eu nunca poderia identificar como sendo luxúria, que eles encontravam naqueles desumanos vídeos pornográficos no celular.
Sempre que eu me aproximava, os meninos me afastavam – menos ele, pois ele me olhava, como se quisesse me derreter apenas com o olhar. Nessa época eu tinha somente 5 anos, e ele somente 10, mas enquanto eu ainda era Branca, ele já era Vermelho: sendo apodrecido lentamente por todo aquele conteúdo erótico explícito, que eu nem imaginava que existisse.
Os anos foram se passando e cada vez mais eu me convencia de que aquele era o meu amor de infância, com quem eu iria me casar quando eu fosse adulta. E tudo seria lindo e mágico. Mas isso não passava de pura ilusão.
Em um certo dia, houve a mudança, ele chegou todo Amarelo, me dizendo que também gostava de mim. Nessa época eu estava com 10 anos, ele com 15. De início eu me assustei, pois eu ainda me sentia criança, e como minha mãe costumava dizer, criança não namora. Porém, eu já menstruava fazia uns meses, e todos os parentes viviam me dizendo que eu havia me tornado mocinha. Isso era complexo demais para eu entender, mas acabei me deixando levar, pensando que mocinha, então, já poderia namorar.
A sua cor Amarela durou pouquíssimo tempo enquanto eu aguardava ansiosamente vê-lo Branco e puro por mim, demonstrando todo o seu amor incondicional. Porém me decepcionei ao perceber que na verdade, após alguns dias, ele estava mais Vermelho do que nunca. Mas eu não pude interpretar suas intenções, pois ninguém nunca havia me falado o que ser Vermelho realmente significava.
Então, quatro dias depois, eu morri. Aquele Lírio Vermelho hediondo, roubou minha Branquescência, ele me violentou de todas as formas inimagináveis que se pode pensar. Com apenas 15 anos ele me estuprou, reproduzindo toda barbaridade que ele havia aprendido com a pornografia. Dilacerou todos os orifícios imagináveis do meu corpo. Bateu em mim, e em minha alma. Arrancou meus cabelos. Xingou-me com todas as palavras sujas que podem existir. Comparava meu corpo com animais, que ele dizia que adoraria poder violentar também. Fez xixi no meu rosto. Tentou até mesmo defecar em mim, mas não teve força de vontade suficiente para conseguir. Eu estive no inferno, sendo torturada pelo pior tipo de demônio que pode existir: um homem estuprador. Neste caso, um menino.
E foi assim que cada uma de minhas pétalas Brancas foram tingidas de Roxo, pois naquele instante houve uma concepção dentro de mim e uma nova vida estava sendo gerada. Eu era somente uma criança que havia acabado de começar a menstruar. Eu fui abusada e violentada da forma mais cruel possível. Minha alma havia sido retirada de mim, mas os médicos, tão cruéis, não queriam retirar aquele bebê do meu corpo.
O mundo é cruel demais. Eu era só uma criança que não sabia lidar com tudo aquilo. Mas uma coisa eu sabia: aquela dor era demais para suportar. Até mesmo minha mãe chegou a duvidar de mim, me perguntando se eu queria ter feito sexo com ele. Eu nem sabia direito o que era sexo. Eu só queria dar o meu primeiro beijo – vontade essa induzida pela mídia pornificada, que em todas as novelas e filmes só sabe mostrar isso.
Eu era um Lírio dolorosamente triste. Mas eu não suportava mais ser.
Então, pétala a pétala eu deixei de ser eu. Pétala a pétala a minha vida foi sendo tirada. E pétala a pétala eu me cortei. E pétala a pétala eu sangrei. Até que assim, pétala a pétala, eu finalmente deixei de existir.