27 de Março de 1957.
À minha eterna expectativa...
Ah, meu querido...
Das várias cartas que lhe escrevi, esta me parece a mais pesada, talvez, em parte, seja o reflexo das exigências deste novo trabalho...
Ao me deparar com essa imagem me lembrei de ti! Por isso fiz questão de conseguir uma cópia, ela expressa tão bem o que me vai no coração...
É incrível pensar que tantas imagens, sonhos e devaneios podem simplesmente ser reduzidos a uma pequena maleta!
Ah, nosso quarto... Quanto sonhei com ele...
Os lençóis macios e alvos, a fofura dos travesseiros e nós dois nus, aconchegados sobre o peso dos cobertores...
Vem a minha mente, nitidamente o prazer de acordar com o seu cheiro e meu corpo arde e clama pelo calor do seu e pelo toque de seus dedos.
Ah, esses dedos a percorrer todo meu corpo, num toque suave e viril ao mesmo tempo...
Eu mordiscaria seu pescoço, e também percorreria teu corpo e degustaria sua pele e masculinidade, oh saudade...
Adoraria ouvir sua voz languida, ou quem sabe rouca, talvez um sussurro ao pé do ouvido, talvez algumas palavras sem sentido, mas o corpo compreendendo cada uma delas, a umidade me consome... seu nome, nossa história...
Ah, História! Queria ser sua Josephine e estar na expectativa de suprir todos os seus desejos, expressos naquelas cartas que resistiram ao tempo e a nós...
Deixar você explorar meu negro jardim, ter-te todo em mim e nosso amor registrado para a posteridade, ah saudade de viver algo assim...
Ou quem sabe, apesar de considerar piegas e até um tanto quanto ridículo, tal qual Domitila, me tornar sua marquesa e com certeza ser mais importante que um império inteiro! E nossas cartas, ah, essas cartas serem consideradas indignas de sua posição, mas um histórico documento de uma paixão avassaladora...
Esse trabalho está me afetando, eu sei, pois tudo nele me remete a ti e é difícil me concentrar sobre os documentos...
Não sei mais o que dizer, olho a foto, vejo a mala e ela me mostra nosso guarda-roupas, me vejo compartilhando as mínimas coisas da vida contigo...
Acordar com os cabelos desgrenhados, o rosto amassado e seu cheiro em mim.
Talvez iniciasse nossas noites calientes em uma poltrona e corresse seminua pelo quarto, te matando de desejo...
Tórridos beijos, nossas noites cada vez mais deliciosas, saboreando um ao outro, apenas mais uma vez, antes do sono nos arrebatar...
Pela manhã tomaríamos um lauto café e coversaríamos sobre as pequenas coisinhas do dia a dia, cada tristeza ou alegria, nosso amor tornando tudo mais ameno...
Logo viriam os pequenos, posso ver cada um deles pulando em nossa cama e nós ralhando com eles para não destruírem as molas do colchão.
A família crescendo, e cada filho conquistando a independência e a própria vida e nós envelhecendo juntinhos, vendo a casa ficar vazia e silenciosa...
Num domingo eu vestiria aquele vestido rosa, o seu preferido, e você com aquela gravata borboleta ridícula, mas que é sua marca registrada, cada detalhe em ti me fascinando como se fosse a primeira vez...
Sairíamos de braços dados, cabelos prateados ao vento, iríamos tomar um café na confeitaria da esquina e depois caminhar até o nosso restaurante preferido...
Entretanto a mala me lembra que você não veio e vejo meus sonhos e expectativas a se desfazerem como castelos de areia pouco a pouco levados pelo vento! Ah tormento...
Tantas alegrias, tantos prazeres, tantas venturas que queria compartilhar contigo, mas você não veio e infelizmente não foi a um derradeiro encontro ou a um momento decisivo entre nós...
Você simplesmente não veio a minha vida e nunca fez parte de minha história, pelo fato de nunca ter me deparado com você!
Será que morrerei nessa eterna expectativa?
Será que tudo que terei de nós serão somente sonhos e ilusões?
Ardendo no peito a saudade e a vontade daquilo que nunca foi...
Espero sinceramente não findar meus dias em eterna expectativa e quero, sinceramente, poder desfrutá-los dividindo a vida com você...
E agora meu amado, necessito finalizar nossa carta por hoje, amo escrever para ti, mas o dever me chama.
Novos documentos chegaram a Biblioteca Nacional e preciso organizar uma nova exposição...
Não demore muito a vir, quero um dia rir contigo dessas tolas cartas.
Eternamente tua...
Madalena