O sol clareava, pude escutar o som vivo emitido no galinheiro, que prenunciava alegremente as seis horas da manhã. Senti os raios se infiltrar na minha tão esburracada janela e atacarem-me as vistas, que fingia dormir. Ainda mergulhado nos meus pensamentos, espreguissei-me em acordar e pensei, é tão acomodante o leito que até me chama e sussura nos meus ouvidos que me quer, e eu ali jazido me entregava ao todo, implorando que pelo menos Deus prolongasse uma hora êxtra de noite para dormida. Só pode ser loucura minha pensar que Deus faria um favor desse dos grandes para mim preguiçoso nesta cama. E ainda que sorte é nossa que ele dá uma oportunidade de nos refazermos mesmo sabendo que de lado o desapontamos, o que me leva a crêr que ele é melhor pai para se ter.
Em pouco tempo ouvi farfalhares fantasmáticos e pés andantes em fingimento, como alguém que quer passar desapercebido, e soaram batidas na porta do meu quarto, não tomei susto, mas me despertou dos pensamentos, sabia que era Avó, porque desde que a Nayra sumira, todos os amanheceres ela vinha ali para se certificar se eu ainda estava lá, vivo, acordado para a realidade, ela bem sabia que os meus pensamentos me consumiam aos poucos, só não queria me dizer.
― Acorda. Tá quase na hora!
Aquela voz suável de velhice soou. É aconhegante ouvir ela falar, que nem tudo que ela faz com suas próprias mãos, há sempre algo de inocência e carinho depositado. Eu sou o único que restou dela desde que o Vovó morrera acidentado, quase que sofreu um trauma por ter perdido as pessoas que ela mais amava, seus filhos, marido, apenas eu oque sobrara deles.
Então pensei, está quase na hora, mas para quê seria a hora? Curioso me desprendi da cama, devagar empurrei a porta abrindo e corri até a alcancei, ela estava preambulando a casa inteira, quando percebi, vasculhando coisas, movendo de um lado para o outro.
― É quase na hora?
― Sim é. Já preparei sua maleta.
Ela falou vindo em minha direcção, segurando algo preto que supus ser um casaco terno, mas bem enorme. Ergueu as mãos debrussando o terno sob meus ombros, alisando-o.
― Pensei que não te caberia. Mas olha só, como ficou lindinho.
Me admirava vêr ela animada com aqueles preparativos, já fazia tempo que não a via tão emocionada, e qual fosse a ocasião, gostaria que não acabasse, nunca.
― Qual é a ocasião Vó. Para aonde vamos?
― Vamos não. Tu vai.
— Para aonde?
— Vai pra universidade, já preparei tudo.
― Como assim?
— Não faça aquilo outra vez Liam.
Soou-me seca no seu tom quando falou.
— Não posso ir.
― Só faça questão.
Fiquei atordoado, pela primeira vez, senti dureza saindo da boca dela. Não adiantaria resistir.
Foi tudo tão rápido, aquela viagem já programada, não pude absorver tantos pensamentos que me vinham à cabeça. Partiria e a deixaria, os campos onde passava maior tempo pensando em Nayra que se fora embora, e tudo aquilo ficaria para trás, e começar uma nova vida que não sabia exatamente como que seria.
Então vendera uma parcela dos campos, onde dedicara à agricultura toda sua vida, tudo isso para sustentar minhas necessidades enquanto estiver ausente. Aquilo não me agradava pensar, na verdade a deixaria sem nada. Fez sem me consentir, porque da última vez que tentara fazer o mesmo fim, a impedi sem que chegasse longe, mas então estava feito.
― Anda depressa, segure aqui!
Falou despertando-me do pensamento. Tinha entulhado coisas no saco ao ponto de não restar metade para fazer um nó ao atar.
― Conversei com um senhor que conhecia seu Vovó. Ela disse quando me aproximei e segurei o saco. ― Soube que andou a procura de jovens como você, a nível de ferequentar a universidade.
— Aonde isso?
— Lá no Maputo. Estará aqui em uma hora para te levar. Ela disse, se levantou e saiu.
Depois que ultimei de amarar o saco, fiquei ali sentado, cogitando acerca daquela viagem que aconteceria em poucos minutos asseguir, meu coração balbuciava não conseguindo perceber se era mesmo emoção ou tristeza que sentia.
Saí dali, e fui dar uma caminhada nos campos, para me acalmar um pouco, além disso, sentiria falta daquele esverdeado das árvores, o ar puro que sopra constante, exalando cheiro da natureza que dá vida as minhas imaginações. De certeza, é único lugar onde me lembro bem da Nayra, se eu fôr, as lembranças também sumiram junto, para sempre. Estava ali o fim de que não queria, por ser tão doloroso quando chega. Mas bem, que fazer, não era o fim do mundo mesmo. Me convenci e voltei para casa sem demorar.
Quando regressei, pude vêr no pátio enfrente de casa, uma silhueta em seu contorno prateado, era um carro, ao lado estava um homem de sua postura folgada segundo minhas análises, sentado enfrente da Vó que falava incesamente, e ele acenava com a cabeça concordando, quando notaram minha presensa, me olharam em simultâneo, e antes mesmo que me aproximasse, a Vó levantou-se.
― Este é meu neto de que falava. Ela falou olhando para ele, como se esperasse que fizesse algum tipo de clasificação, eu senti isso, e estranhei pensar que me rejeitaria, mesmo não estando muito afim de ir.
― Creio que valha pena.
― Tenho certeza que não vais te desapontar senhor Eduardo.
Ele veio para mais perto, me observando.
― Acredito nas suas palavras senhora Cecília.
Me fiz parecer satisfeito, pondo de lado as minhas indiferenças, só para não deixar a Vó preocupada. Pois ela estava um tanto sorridente.
― Creio que estêja preparado. Ele disse olhando para mim.
― Sim senhor. Respondi.
― Este é o momento.
Senti um nó no estomago quando vi que realmente estava prestes a viajar. Os deixei ali fora acertando sobre a viagem, e entrei dentro para levar minha pasta que precisava, depois que a peguei, antes mesmo de virar as costas e saisse, a Vó veio.
― Não te esqueças de nada importante.
― Acho que já peguei o suficiente.
― Te comportes, aonde vai.
― Vou me certificar disso.
― Agora vá, que o senhor Eduardo lá fora esperando não terá mais paciência.
Saímos com as malas carregadas, e o Sr. Eduardo estava ali parado com as duas mãos apoiadas pela cintura, mal que me viu, correu até a trazeira do carro e abriu o capô, acenou com a mão indicando que eu fosse ali descarregar o peso, a seguir a Vó trousse outra e descarregou.
― Pronto, podes entrar. Sr. Edu falou quando abriu a porta do carro, indicava que entrasse. ― Até a proxima dona Cecília.
Pelo vidro vi os olhos da Vó inundarem, de repente meu sangue acelerou pelas veias e meu coração, senti-o pulsar rápido quando o motor arrancou, e partimos.
Através do vidro fumado, não pude deixar de olhar os acenos dela se distanciarem das minhas visões, pareceu-me que estava sendo arrancado bruscamente, a uma velocidade imensurável, e via tudo ser levado para trás, e ela ficara visível como uma nuvem escura que se esvaia aos poucos. Foi tão triste vêr a Vó ficar.
Já tinhamos se distanciado bastante e eu ainda na mesma sensação de tristeza, não podia deixar de sentir. Então só sentei, olhando a terra movimentar-se e o Sr. Eduardo concentrado controlar o volante. É quando ia para meio dia, que me perguntou se queria comer algo, disse que estavamos quase a um distrito de nome Nicoadala, próximo a capital Quelimane, de lá achariamos alguma coisa.
A noite caiu apressada, trazendo consigo uma penumbra gigante que cobriu a estrada, quando estacionou nas estremidades da estrada onde havia uma construção.
― Chegamos a Nicoadala.
Notei por cima da parede, estava escrito à vermelho “ Banca Alberto”, e havia um vidro enorme que mostrava o interior, algumas pessoas de pé, outras sentadas, conversavam e tomavam algo pelas garrafas, a maioria sentadas em mesas que formavam uma esplanada incrível e convidativa.
― Vou já achar algo para comer.
Confirmei com a cabeça e saiu.
Quando ele ia entrando, me ocorreu que não estva sendo bom companheiro de viagem, equivoquei-me a seu respeito, ele é o tipo de gente boa. Então tá certo, pensei, tentarei ser bom companheiro. Sem demorar já estava vindo, segurando pelo que vi, duas latinhas de refrigerante cocacola e dois takeaways, acenou com a cabeça pedindo que abrisse a porta. Em seguida ele serviu, depois que terminamos de comer, seguimos com a viagem.
― É casado senhor? Perguntei quebrando o silêncio.
― Sim sou. Mas não bem casado. Ele disse e me viu contorcendo as sobrancelhas. ― É uma longa história.
Explicou que a amava muito até que um dia a encontrou de bruços com alguém, coisa que nunca esperava, dai soube que viveu uma mentira durante muito tempo, e que para o bem do filho deles quando se separaram, ele o levou junto.
― Falando verdade, náo esta sendo fácil para mim, cuidar do Ronildo sozinho nestes últimos anos, é algo que me preocupa tanto.
― Como ele é?
― Roni! É mulherengo, leva muitas garotas para casa. E eu falo nada, com medo que talvés possa lhe tirar oque lhe alegra, não foi fácil se recuperar depois que a mãe decidiu escolher proprios caminhos.
― Se calhar elas só podem ser simples amigas.
― As garotinhas lhe seguem, sabes? É como se fosse o centro da atração de garotas. Uma vez levei-lho a uma loja de artigos. Enquanto o esperava escolher alguns, algumas delas vieram até mim, e perguntaram se eu era segurança dele.
― É mesmo?
― O engraçado de tudo, nunca apresentou uma sequer. Até um dia aparecer cheio de ematomas na cara.
― Porque?
― Meteu-se em briga por uma garota. Graças o Sergio, estava lá na hora. O trousse para casa ainda sobrando.
Quando vinha, Sergio pediu que lhe deixasse na casa de um amigo que conhecia em Dondo, lá na provincial de Sofala, para quando regressa o levar. Os meus olhos se concentraram nas luzes do carro que focavam na escuridao da estrada, e via arvores moverem-se e ficarem para tras, aos poucos comecei a me esquecer de mim, num bocejo sonequei.
Uma dor latejante circulava a minha cabeça, quando senti um barulho, o bater dalguma coisa, minhas vistas encheram de claridade, abri os olhos e vi Sr. Edu parado lá fora conversar com algumas pessoas, e vi casas ao redor. Quando me alonguei, soou no banco de trás o farfalhar de plásticos, meu coração quase que saiu do lugar, senti um tremendo susto. Era o Sergio, estava sentado ajustando coisas, reparei que era alto, de pele escura sem rugas tipico de temperaturas frescas, cabelo curto e um bigode miúdo que começava a ninhar-se nas axilas, sinais de crescimento.
― Me conta. Qual é a boa? Perguntou quando apercebeu-se do meu susto.
― Sem boa nenhuma, apenas viajando.
― Longa distância a percorrer nos espera.
― Tão longe assim?
― Reláxa, só dois dias faltam, se não houver muitas paragens.
Sergio ia falar alguma coisa, quando Sr. Edu abriu a porta.
― Vêjo que já se conheceram.
― Claro. Sergio respondeu e eu acenei com a cabeça concordando.
Depois de uma longa caminhada, paramos em uma lanchonete na cidade de Inhambane, o relógio no painel marcava uma da tarde, em um ambiente de calor apetecendo uma praia como Bazaruto, Sérgio diz ser um céu perdido na terra. Em uma hora lanchamos e prosseguimos com a viagem, faltava um dia.
No entanto, desde Dondo Sr.Edu não falou algo, a não ser ouvir os comentarios engraçados do Sergio, a respeito das pessoas que viamos pela estrada, caminhando no meio do nada. Dizia aquele ser o serviço diário daquela gente, acordar e andar, quando fosse tarde regressavam nas suas casas, enfim resumia-lhes a isso. Sendo que Maputo, a vida é outra.
― Não penso outra coisa além de saudades que sinto da minha beby. Susurrou no meu ouvido, evitando que mais alguém ouça.
― Agora vais ao encontro dela.
― É isso, não vêjo a hora. Até que seria legal conheceres amigas dela, são giras.
― Nunca seria demais fazer amigas.
― E olha, a Nayra é a mais de todas. Nem se atreva em abordá-la, se não queres brigas.
― Como disse?
― Apenas se comporte enfrente dela.
― Fique tranquilo, não sou muito afim disso.
O coracao me corria muito rápido, nao podia ser, a Nayra que ele se referiu poderia ser uma mera conscidância, não a minha.
Porém deixei passar aqueles pensamentos, e me concentrei a olhar pelo vidro, encontramos uma tabela esverdeada, e pude lêr os escritos Cidade De Maputo, o fluxo de automóveis tornou-se predominante, pessoas em massa se deslocando em direcções opostas. Naquela altura o céu estava limpo, indicando sinais de um perfeito anoitecer, e o clima parecu-me meio embassado, era o fumo atmosférico, que confundia a paisagem da cidade entre o ocêano.
Depois de atravessadas tres avenidas de acordo com os dizeres que lia, desviamos para uma rua pelo que vi não muito percorrida, haviam em cada canto escuro das acacieiras banquetes em fileira, e por mais difícil fosse a enxergar, algumas pessoas lá sentadas ao ar lento. Assim que deixamos aquela rua e, sem demorar, Sérgio segurava a trava da porta quando paramos.
― Deixa que eu te judo. Falei quando o vi tentar levanter um saco enorme.
― Vamos levantar no tres. Ele disse ― um, dois, e tres.
Juntamos nossas forcas e carregamos em direcção a porta principal, antes que entrassemos com a carga, alguém que chegou perto e ofereceu-se para ajudar, algo que não deixei de admirar fora sua pele macia, de traços bem enfeitados no rosto, alto e claro. Entreolharam-se, e vi sorrisos discretos surgirem em cada um.
― Sinta-se em casa Liam.
Sr. Edu falou quando sacudiamos as mãos empoleiradas, e sem fazer muitas menções, retirou-se.
― Que bom estares aqui na hora meu mano. Ele disse olhando para Sergio, que sorria meio que aliviado. ― Bem na hora que pensava em desistir. Acrescentou.
― Fique ligado, estou sempre na área, quando precisares. Os dois riram-se.
― Venha Liam que te mostro aonde deixar essas coisas.
Sergio me levou e Ronildo veio junto. Passamos numa sala que continha sofás, mesas e armários. Subimos alguns degraus acima, em um corredor , e ali apenas três portas.
― Este vai ser seu quarto. Falou e adentramos
― Está meio bagunçado. Ronildo comentou
― Te ajudamos com a faxina depois. Porque agora vou banhar.
― Não tem de quem, valeu.
― Isso. Precisas remover poeira de Dondo. Ronildo falou rindo-se.
― Deixa comigo, e tu prepara as novidades.
― Vai com calma meu mano, é tin tin por tin tin.
― É isso. Sergio disse satifeito. ― Assim que sair venho te informar. Acrescentou olhando para mim. E retiraram-se os dois.
Me levantei, fui para janela e tive uma visao panorâmica de luzes abaixo, carros crusar as ruas, e no fundo uma voz ressonada ecoar pela cidade afora. Reitiei alguns artigos da minha pasta, uma camiseta de mancas curtas preta, uma calça jeans, mais um par de sapatos. Tirei tudo e estendi na cama, quando vi me lembrei da jacketa que a Vó me dera, estava lá embaixo entre aquelas bagagens, então fui buscar. Ao descer pelos degraus, pude ouvir vozes falando, ao chegar na sala, ninguém estava ali. Andei mais pelo corredor abaixo em direcção ao quarto onde estavam as bagagens, pela parede estava Ronildo e uma garota, sorrindo discretamente.
Antes mesmo que desse mais passos, foi Ronildo que notou minha presença.
― Para aonde vai Liam?
― Desci para levar meu casaco que esqueci nas malas.
― Não é por aqui, é a porta na sua trás.
― Ahh… sim, value.
Quando sai, após achar oque procurava, ouvi a goarota perguntar quem eu era, depis ela riu. Não me importei, subi para o quarto, deixei o casaco na cama junto a outra roupa, me sentei e fiquei esperando minha vez de banhar.
― Que alívio, finalmente me sinto jovem. Sergio falou no quarto depois do banho e segurava a porta aberta. ― Vamos lá descer para jantar.
― Ta certo. Falei indo em sua direcção.
― Bem que estás aqui. Ronildo vai apresentar a namorada hoje.
― Bem como?
― Simplesmente porque será bom. Ele disse e rimos.
Quando chegamos perto, não consegui vêr bem a cara da moça, estava de cabeça abaixada, o cabelo dela longo dificultava.
― Puxem as cadeiras e sentem-se. sr. Edu falou.
Antes que puxasse alguma cadeira, ergueu a cabeça quando ouviu Sr.Edu falar, e fitou para nós, de seguida voltou o rosto para Roni, que lhe falava alguma coisa em silêncio. Foi como se tudo estivesse acontecendo em camara lenta, em meio ao curto tempo que me olhou foi suficiente vêr, seus olhos brilhantes, aquele nariz pequeno bem enfeitado da forma como me lembrava. Vi ela ponderar alguma coisa quando de repente lançou seus olhos novamente, meu coração parecia ter parado de bater no peito, minha respiração ficou ofegante quando ela fitou nos meus olhos. Os meu dedos começaram a gemer, me impossibilitando puxar a caderira.
― Liam. Senta ai fique avontade. Os olhos dela acenderam mais, depois que Sergio chamou-me pelo nome.
Eu queria correr e ao mesmo tempo ficar parado ali, olhando para ela, tentando me conter. Servimos e começamos a comer, não tive apetite depois daquela sensação, mas tive que comer para não chamar muita atenção, era meu primeiro dia ali, queria dar uma boa impressão. Além disso não seria nada conveniente que eu fosse por cima e começasse a falar de tudo, me acalmei e continuei comendo, ela também comia aos empurrões.
Fingia que comia quando a observei, mas algo me dizia que não se sentia avontade. O ambiente ficou tenso e silencioso naquele momento, nem os comentários engraçados do Sergio se ouviram, talvez ele percebesse que não era o momento certo para ninguém, só se ouvia o tilintar de talheres pela louça. Comer avontade era uma opção, só assim não daria motivos a ser descoberto nervosa. Coisa que para ela não estava sendo fácil disfarçar, porque vi Ronildo encomodar-se quanto à sua namorada.