Lembro quando conheci Eleonor, era inauguração da nova loja da famosa franquia de bolos e doces, a Red Velvet. O carro chefe da doceria era o bolo que carregava o nome da rede mais bem sucedida dos últimos anos, e eu, um jovem confeiteiro apaixonado por doces, iria compor a equipe daquela loja localizada no centro da capital de Gardélia.
Eleonor era um mito em todo o reino de Liechenburg pelo histórico de vida, pelo dom culinário e é claro pela beleza estonteante. Ninguém sabia ao certo quantos anos ela tinha, mas todos sabem que teve um filho na adolescência de um marido abusador e para sobreviver ela fazia bolos para a vizinhança. O marido foi para a cadeia, o filho cresceu e o pequeno negócio de bolos decolou, bem mais do que a própria Eleonor imaginou ser capaz de conseguir.
Certa vez, tarde da noite Eleonor me confessou que não sabia como chegou até ali. Eu não sabia o que dizer e apenas me calei, porque o que poderia dizer para ela? Que o destino tinha sido o culpado? Não, o destino não cabia a Eleonor, ela fazia o próprio destino e ia atrás do que queria, e eu era prova disso.
Ela comparecia em cada inauguração de loja horas antes para checar se a equipe que iria representar o seu nome e reproduzir as suas famosas receitas era apta. Ver aquela imponente mulher vestir um uniforme como nós e ir para a cozinha foi estonteante.
— Quando se morde o bolo ele deve ter doçura na medida, com uma fofura e coloração condizente, espero a mesma qualidade em todas as fornadas.
Eu já estava envolvido pelo olhar que ela tinha, ferino, imponente e apaixonado pelo que estava fazendo. Eu percebia ali uma mulher realizada enquanto confeitava aquele bolo ao meu lado ou provava se eu havia acertado a sua receita.
Olhei para aquela bela mulher a noite inteira, e pela primeira vez me senti acanhado quando ela retribuiu e sustentou sua obsidiana para mim. Me senti acuado e de caçador eu me tornei presa.
Naquela mesma semana tarde da noite um carro me esperava com um destino certo, por um momento eu hesitei, mas ninguém me esperava em casa, e eu não sabia o que aquela noite me reservava.
Era uma bela casa e fui orientado a seguir pelos corredores até chegar na cozinha dos meus sonhos e lá estava ela.
— Não fique parado, venha me ajudar com esse bolo, vamos experimentar essa nova receita e você irá dizer o que acha dela, okay?
Aquela noite eu experimentei mais do que aquele bolo de chocolate com especiarias, coloquei minhas mãos naquela doçura estonteante, cheirei seu perfume; e quando minha língua provou sua flor eu fiquei tonto e envolto em todo o mistério que aquela mulher emanava. Tão forte por fora, mas tão entregue em minhas mãos, em meu corpo.
Quando ficávamos juntos éramos tão completos, mas fora daquela casa continuávamos seguindo nossas vidas, como se fossemos completos estranhos. E éramos, mundos diferentes que se colidiam algumas vezes na semana quando aquele carro me levava para os braços dela.
— Você sabe que tipo de bolo você é querido?
— Oh Eleonor, eu não quero ser um bolo de estação, quero ser o seu red velvet.
— Ambicioso, mas você sabe porque o red velvet nunca sai do cardápio?
Neguei com a cabeça enquanto mergulhava naqueles olhos negros e prestava atenção na explicação.
— Ele é uma sucesso devido aos ingredientes colocados em medidas exatas, doce, apesar do vinagre, é um bolo exigente, e apesar da troca das estações ele permanece único e inigualável, e a cada nova mordida ele é capaz de trazer uma nova sensação a quem degusta. Você é assim?
Eu não era assim, ela era.
— Não peça o que nunca ofereci, querido.
Eu estava extremamente envolvido, apaixonado e ela sabia disso. Não queria que ela fugisse de mim, eu queria estar com ela, não somente naquelas noites furtivas, mas eu não conheço as intenções ou o coração dela.
Por três semanas o carro não apareceu. Mandei mensagens, todas lidas e ignoradas com sucesso. Senti raiva dela, de mim. Eu gostava dela, queria vê-la, não me importava de ser o seu brinquedo da vez, desde que fosse o preferido. E foi com uma mensagem dizendo exatamente isso que o carro voltou a aparecer.
Fui andando pelo já conhecido corredor até o quarto dos nossos encontros e o que vi me fez sentir raiva. Ela subia e descia naquele novo secretário que a seguia pra cima e pra baixo e o meu desejo era de correr dali, mas a cena estava montada e o nosso futuro dependia de como eu iria lidar com aquilo e eu podia ver o olhar que me encarava do reflexo espelhado e o riso convidativo que ela sustentava.
Como eu poderia rejeitar? Eu estava tão imerso nela, e pude ver como ela estava se divertindo com aquilo. Meus sentimentos eram amargos naquele momento, mas a minha raiva e desejo eram grandes o suficiente para transbordar pela minha pele e eu sabia que eu pertencia inteiramente à ela.
Entrei no quarto e fechei a porta, e se era assim que ela queria eu aceitaria, mesmo que não fosse recíproco.