A paz que ficou
É impossível esquecer a primeira vez que nosso olhar se cruzou, era primavera de 2018, as ruas de Magnólia exalavam o perfume das flores características de Gardélia, eu havia recém chegado do interior e ainda era capaz de distinguir todos os aromas, assim como as matizes de cores.
Caminhava distraído com a música no meu fone de ouvido, estava na entrada do Parque Alvorada na pétala norte da capital Magnólia quando lhe vi passar correndo, ou melhor, a sua luz branca me ofuscou tirando-me da indiferença. Mas surpresa mesmo foi descobrir que trabalharíamos juntos no mesmo laboratório, eu um mero estagiário iniciando a carreira e você responsável por minha supervisão.
Foi impossível não nos aproximarmos, moravamos perto e sempre que nossos horários permitiam corríamos no parque naquele ritual mudo porém confortável, cada um imerso em seus pensamentos e musicas e depois apreciavamos um café da manhã no bistrô da esquina de casa, você o frapuccino e bolo de laranja e eu o café preto sem açúcar com pão de queijo. Você ria da falta de açúcar em minha bebida e eu reclamava do seu exagero açucarado.
Mas tu era o exagero que apreciava, era a luz que me iluminava e orientava com sua presença circular arredando todos os resquícios d’alma. Seu sorriso brilhava, purificava e sua presença me trazia a paz e tranquilidade que há muito não experimentava.
Seu olhar, por vezes faminto e inquisitivo, me consumia e me fazia amaldiçoar a santidade e questionar a pureza na qual lhe impus; e em algum momento isso se quebrou me permitindo ver que dentro da sua calmaria tu era a composição de todas as cores possíveis do espectro.
Em suas mãos me encontrei, me perdi, me descobri, amaldiçoei e bem quis, mas posso dizer que perdi a contagem das vezes que gritei o seu nome enquanto me consumia em luxúria entre os lençóis de minha cama, enquanto tu me fazia dançar de ponta a ponta nas cores que melhor lhe compunham.
Perdi a paz, a calma, a pureza, a alma. De fato, entreguei tudo de mim em bandeja de prata. E você correspondeu, pelo menos naquela estação, até que chegou o inverno em que disse aquela palavras antes de sair de casa:
"Vou me casar com a Sofia, me desculpe Arthur, mas hoje é a nossa despedida".
E assim tu partiu levando a paz e tudo o que restou.