Me pego olhando para mim mesma pelo canto dos olhos, sibilando, sibilando, olhos movidos a vapor de água, girando estes globos para todas as direções.
Movimentos circulares, rodopios, pequenas e grandes escadarias.
Ando por minha casa como uma alma assombrada que há tempos morreu e foi esquecida.
Estou me lembrando da pior de todas as minhas versões.
A razão pela qual me olho todos os dias nos reflexos dos espelhos, desejando apenas arrancar minha cabeça fora e vê-la quicar pelas ruas até ser esmagada por uma roda de trator.
Nem assim, nem mesmo morta, pararei de me assombrar.
Eu sou a sombra do meu próprio quarto, minhas pernas se tornaram torneadas de tanto andar, andar e andar. Converso com oito bilhões de pessoas dentro de casa.
Vivo oito zilhões de realidades que esbarram-se nos tempos e espaços que crio a todo instante, vou para Marte, depois para algum país sumério no século IV, logo em seguida estou do outro lado da rua, depois estou nos braços de quem amo, depois ele morreu, e então, penso sobre o futuro, o passado e o presente, o quê posso fazer, o quê poderia ter feito e probabilidades do que farei.
Costumava me achar uma super-heroína, com um dom divino e descomunal, afinal, eu vivia e vivo tantas linhas do tempo e vidas que não são minhas, treinava e treino tanto cada cena da minha possível vida, encenando todas as possíveis saídas para todas as possíveis ocorrências, que quando finalmente acontece algo real, eu era capaz (e ainda sou) de lidar melhor do que se não tivesse treinado antes.
Me sentia um tipo de deus.
Agora sei que sou uma maldição. Todo este corpo, todo ar que respiro, tudo que me toca - esfarela-se.
Tudo que eu amo - tende a me repudiar.
Mais cedo ou mais tarde.
E sempre foi assim...
Amizades esfriando? Sem problemas. Família que desmorona? Vivi isso uma centena!
Traída no amor? Abusada? Crise de pânico? Fichinha!
Tudo na palma da mão, na ponta da língua, por detrás das pupilas, adormecendo e acordando comigo dentro de minha cabeça.
Mas agora... Apenas peso por não conseguir parar. Me sinto até criminosa, obssessiva, completamente distópica.
Cem por cento inventada.
Uma extensão completa de realidades alternativas, enquanto eu me olho no espelho, ou ando em silêncio pela casa, enquanto me privo de contato com a família, de luz do sol, enquanto me atraso para o trabalho, procrastino os deveres da faculdade, passo noites e noites a fio acordada...
Jamais pensei que a realidade pudesse mesmo me pegar.
Pegou.
Estourou minha cabeça - mas eu já sabia. Já vivi antes... Deve ter sido uns dois anos antes, mas eu sabia. Está acontecendo igual. Do jeito que imaginei.
Levei oitenta mil pancadas, desferidas por estas minhas mãos horrendas.
Eu sei aonde estou.
Sei que não é Roma, Alemanha, não sou uma peruana em fuga, uma gueisha trancafiada, uma atendente de cafeteria com planos brilhantes de vida, eu nem ao mesmo sou eu mesma.
Me perdi nos devaneios.
Isso começou aos 7. E hoje não é mais um privilégio, não é mais um super poder, não é mais um presente divino, não é mais uma colher de chá do destino, não sou médium, não sou adivinha, não sou poderosa, eu sou apenas triste!
Pois fora de minha mente, tudo sai do controle.
21 anos sendo sombra das sombras que criei.
Me lembro de cada nome.
Me lembro de todos que fui.
Amaldiçoada.
As pessoas começaram a reparar de novo, que eu não estou neste corpo. Que eu falo sozinha e já nem percebo, que eu passo mais tempo no meu quarto do que nunca antes passei, os devaneios passaram a ser perigosos e ao mesmo tempo, só consigo viver através deles.
Só consigo dormir se devaneio que estou fazendo isso.
Só consigo fazer qualquer coisa, se há alguma música para abafar as vozes deles.
Mas eu sei que não é real.
Sei que também não sou.
Estive sufocada por tanto tempo.
Sinto muito por quem tem meu amor - não mereço o seu, eu sou uma psicótica, só hoje já devo ter vivido vinte vidas com você, em cada uma delas, faço questão de criar um final aonde você está em paz e eu, na escuridão.
Pois é minha sina.
Percebo cada vez mais coisas em meu corpo, marcas e formas que não estavam lá antes - ou será que estavam?
Meu rosto muda tanto, tanto!
Meus cabelos... Minha voz, meus olhos, toda minha pele, tenho cheiros que nunca senti antes, às vezes me sinto mais alta ou mais baixa que o normal, às vezes meu nariz é pontudo, às vezes ele é duro como pedra, às vezes ele é delicado, às vezes me olho e sinto nojo e às vezes me beijo por completo e me admiro tanto que não consigo me perdoar por já ter me odiado.
É uma agonia eterna.
Sou eu.
Não sou eu.
Quem eu deveria ser?
Será que estou sendo quem eu deveria ser?
Isso é um dever?
Ser.
Existir.
Escrever.
Devanear.
Por qual razão Deus me fez assim?
Será que eu era perfeita antes e me estraguei de propósito?
Eu mudo de humor tão facilmente... Num piscar de olhos, às vezes basta eu pisar com mais ou menos força no chão, ou se torna um inferno e de repente me odeio, ou se torna devaneio e de repente eu fujo de guardas russos.
Estou sob-controle.
Depressiva, ansiosa, dissociando e morrendo de saudades de uma casa e de um sentimento de não faço ideia de onde eu larguei.
Me contei tantas mentiras por causa das verdades, que eu devo ter me esquecido de ser gentil.
Mas é tarde, tão tarde...
Um devaneio sobre amor me levou aos poços mais fundos e calamitosos, bati minha cabeça na parede e meu estômago roeu-se. Minha mente viu meus olhos de diabo. Senti esta pele imunda ferver.
Eu fico me perseguindo.
Tenho essa mania.
Se há uma fagulha de vida e paz, eu a explodo.
Não mereço.
Não é pra mim.
Começo então a devanear que nenhum de vocês está entendendo nada do que este longo texto diz.
Me vem a culpa.
A vergonha.
A rudeza.
Fraude.
Confusa.
Sou uma fraude.
Sinto muito, melhor eu parar por aqui.