VERDADE: Conformidade da ideia com o objeto, do dito com o feito, do discurso com a realidade [1].
A verdade é uma palavra interessante, analisando mais a fundo, pode-se tratar de uma espécie de harmonia entre os nossos pensamentos e a parte extensa que está fora deles. Uma sinergia (cooperação) entre o que se pensa, muitas vezes se fala e o acontecimento.
O mais interessante de se analisar, é que para a verdade fazer sentido, temos que falar a verdade primeiramente para nós mesmos. Se percebermos que a história que projetamos para o mundo real está em desacordo com o nosso arcabouço moral, você poderá enganar o ouvinte, mas dificilmente enganará a si mesmo.
O processo é curioso, ao tentar descrevê-lo, observo que primeiramente coletamos as informações por meio dos nossos sentidos, encaminhamos elas para algum lugarzinho, ou até vários, dentro de nós que possui um “tecnológico software” que pondera se as informações que coletamos do meio estão em harmonia com aquilo que acreditamos e nos fundamentamos para dar sentido à vida.
O ideal de resposta dessa ponderação deveria ser a consonância (harmonia) de nossas ações com os nossos valores. Concordar com isso significa nutrir um sentimento de integridade, fugir disso significa mal-estar, sentimento de incompreensão, confusão e muitas vezes remorso. E então, a verdade acaba adquirindo proporções mais complexas. Percebemos que, apesar de ideal e para Kant imprescindível, dizer sempre a verdade, apenas com uma base racional nos fatos, não é algo que se assenta bem em nós. [a]
Posso dar um exemplo banal, do que aconteceu em minha formatura, para facilitar a compreensão das coisas. Por aqui, na época, era costume que as mulheres utilizassem salto alto na colação de grau, ainda mais porque ele parecia ser uma das únicas expressões de individualidade que temos quando todos usam uma toga. Eu me perguntava constantemente se deveria utilizar um salto alto e talvez passar vergonha tropeçando em meio a todo mundo ou colocar algo que me sentisse mais segura e confortável.
É muito fácil ler isso e definir pela segunda opção, o problema é que quando as coisas realmente devem ser colocadas em prática, tem uma voz dentro de nós que nos causa um sentimento de inadequação e vergonha. Ficamos constantemente pensando no que os outros irão pensar e nos sentimos deveras desconfortáveis com isso. [b]
A neurociência explica esse comportamento por meio dos nossos neurônios espelhos. Uma espécie de adaptação que nos possibilitou a aprender imitando. Involuntariamente olhamos o que os outros fazem, como, por exemplo, perceber que a maioria das mulheres iria de salto alto na formatura, e tendenciamos a fazer também [c]. O que complica tudo é a consciência, aquela vozinha bem mais complexa que se pergunta se o que a maioria faz está realmente certo…
A única questão é que esse jogo involuntário de imitação parece estar sendo entoado de modo desproporcional ao nosso crivo consciente e estamos constantemente buscando “ter o que o outro tem” e “ser o que o outro é” e esquecemos de nos perguntar se verdadeiramente precisamos ou até se identificamos com aquilo. Eu não me surpreendo com isso quando avalio que a inteligência de marketing apela para o nosso lado emocional e vende margarinas quando verdadeiramente queremos “comprar” uma família reunida.
O mais engraçado, para não dizer trágico, é que entramos no jogo e encontramos uma forma mais “fácil” de “adquirir” uma família reunida: vendemos uma imagem dela. E assim, ao invés de investir tempo e dedicação nutrindo boas relações (coisa que não é nem um pouco fácil), investimos tempo no cenário e encontrando o melhor ângulo para uma foto que retrata a união de uma família, algo que para mim, talvez, se constitua como inverdade quando observamos que na sequência, todos saem desesperados em busca de seus smartphones. Penso que uma hipótese do sucesso das mídias sociais seja exatamente isso, o fato de que elas nos permitem criar a imagem que idealizamos ser. Corpos impecáveis, peles perfeitas, famílias felizes, férias divinas…
Talvez, Platão ficaria um pouco frustrado em saber que após mais de dois mil anos de sua teoria das sombras (tenho ela, se desejar, me pede que eu envio), o nosso avanço tendeu muito mais para novas e complexas versões daquilo que não somos (as redes sociais — uma nova camada do mundo das sombras) do que aquilo que verdadeiramente somos!
Tá, mas, saber o que é verdade para nós, não parece ser uma questão fácil de responder, não é mesmo? Talvez você possa começar observando os seus pensamentos, principalmente quando eles influenciam as suas ações com maior base naquilo que os outros irão pensar que naquilo que você mesmo acredita que seja o ideal a ser feito. E lembre-se, o ideal a ser feito, ao menos para mim, deveria ser aquilo que está em sintonia com o bem e com nós mesmos, o ideal não machuca, não humilha e nem menospreza. O ideal respeita a vida como um todo e reflete harmonia!
E não se sinta frustrado se você constatar que muitas das suas escolhas não estão baseadas naquilo que é verdade para você: entrar em sintonia com a nossa verdade requer muito mais que autoconhecimento, precisamos nutrir a coragem de assumir quem somos e, primeiramente, nos impor dentro de nós mesmos!
E aqui vai mais um não, pois a vida não é barbada: e não pense que você vai fazer isso apenas uma vez na vida, tal movimento requer uma atenção constante. Por exemplo, se você tem o hábito de ler, já deve ter se deparado com alguma situação em que o texto lhe apresentava tão bons argumentos, que você acabou percebendo que aquilo o que pensava para determinado tema ou assunto passou a estar equivocado. Refletir sobre nos encaminha para uma maior coerência interna ou para a luz, se for adepto à teoria das sombras. E é um trabalho minucioso que devemos ter constantemente caso realmente desejarmos ser seres humanos mais compreensivos, inclusive com nós mesmos.
Tá! Mas há uma questão que ainda não abordamos e depois eu prometo que concluo o texto, tá bem? Nutrir a coerência interna não significa sair por aí fazendo tudo o que você realmente acredita ser melhor para você e até mesmo para os outros. Digo isso, pois, não podemos esquecer que estamos inseridos em uma sociedade e que interagir com os hábitos e a cultura do meio também é uma característica humana que contribui inclusive para que reconheçamos se o que acreditamos ser o melhor realmente é.
Quando começamos a nos aprofundar em nossas respostas, vamos percebendo que nem sempre poderemos fazer o que desejamos e muitas vezes precisaremos nos adaptar aos costumes e ideais de outras pessoas ou de algo maior. Há coisas que nós vamos aprender a relevar, pois, não são tão relevantes, há coisas muito importantes para nós que aprenderemos a resgatar e a defender, colocando-as em primeiro plano, pois, também aprendemos que tentar agir de acordo com a nossa verdade começa aliviar o peso de precisar ser o que você não é. E não precisamos carregar isso.
Avalio que está mais do que na hora de repensarmos muito do que fazemos verdadeiramente por nós e para os outros. Quando alimentamos essa coerência interna, paramos de desejar o que o outro tem e começamos a desejar o que realmente faz sentido para nós; paramos de nos importar com o cenário e buscamos a nos importar com o momento; paramos de nos retratar como aquilo que gostaríamos de ser e começamos a nos retratar com aquilo que nós verdadeiramente somos, pois, descobrimos que “mentir para si, é sempre a pior mentira”.
Ainda está confuso e não sabe o que é verdade para você? Vamos a algumas dicas práticas para começar:
1- Pergunte-se: Se eu soubesse que morreria amanhã, o que faria hoje? (a resposta dessa pergunta lhe norteia para onde você deveria investir a maior parte do seu tempo, pois, é o que para você verdadeiramente importa).
2- Caso possuir, de uma olhadinha no seu Instagram (ou qualquer outra rede social) e selecione quatro fotos que você publicou e se pergunte: o que eu estava querendo mostrar quando as publiquei?
3- Assista este vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=CQcvXlZbW7k (Título: Autoestima: o poder de ser você mesmo | Camila Coutinho | TEDxSãoPaulo).
4- Buda, Jesus Cristo, Confúcio, Marco Aurélio, Platão… selecione alguém dessa turma da pesada e leia a respeito, eu tenho muita confiança de que eles irão lhe conduzir na busca pela sua verdade.
Bem, chegamos ao final de mais um texto reflexivo. Espero muito poder ter lhe ajudado de alguma forma. Obrigada por passar um tempo comigo nesta leitura e até a próxima!