Uma corda, por favor
Sena
Tipo: Lírico
Postado: 03/04/21 22:54
Gênero(s): Crítica Drama Poema
Avaliação: 10
Tempo de Leitura: 2min a 3min
Apreciadores: 4
Comentários: 4
Total de Visualizações: 681
Usuários que Visualizaram: 9
Palavras: 420
Não recomendado para menores de dezoito anos
Capítulo Único Uma corda, por favor

Ó pai, dai-me dinheiro,

Que eu o multiplico

Sonhei com a serpente

Sei que ela vai cair no jogo do bicho

Ó mãe, dai-me dinheiro,

Que eu o multiplico,

Eu sei cozinhar, vou vender brigadeiro

A gente precisa sair desse lixo –

Aí é que você está errada, mãe

Dinheiro dá felicidade assim

Ó tio, aquilo que te falei não deve ser lembrado

De querer ser pintor;

Ser pintor é muito caro!

Vender a alma é mais barato.

E não falemos mais sobre arte, por favor,

Não sei se posso aguentar

Ó, meu bem, minha Vênus, meu amor

Eu te amo, mas se for pra viver com alguém tão pobre quanto eu:

Foda-se o amor

E foda-se você, que eu não te quero mais

Não com essa carteira vazia –

Não, não te acho gorda, você tem um corpo maravilhoso,

Mas você não o vende!

Conheço um cara que daria centenas por uma chupada sua

Enquanto você deita comigo de graça todo dia –

Pode ir embora, então:

Conheço uma viúva que daria o mundo por um adolescente que sabe flertar

Ó, cama, dai-me descanso

E que amanhã seja tão produtivo quanto hoje

Dai-me planos,

Mas não esquece de meus sonhos,

Que já imagino todos:

Um iate, por favor –

Só um, sim, –

E me sirva comes e bebes

Direto da garrafa, não a divido com ninguém

Uma puta, por favor

A sua mais gostosa

Pago extra se ela me disser o quão desprezível sou

É o meu fetiche, e como não seria?

Com tanto dinheiro assim, quem ousaria me dizer a verdade?

Ó, ex-sogra, passa o telefone pra minha antiga Vênus, por favor

Ela não atende? Diz que eu pago por minuto

Que eu tô com saudade

Que eu me arrependo de ter dito aquelas coisas pra ela –

Ela diz que não precisa de dinheiro?

Mas diz que eu preciso dela…

Ó, ex-sogra, não desliga, por favor.

Eu posso melhorar tanto a vida de vocês

Pedi e vos será dado

Ó pai, como eu queria ter te ouvido

A gente nunca ganha no jogo do bicho

É o bicho que sempre ganha da gente

Ó mãe, não vi você indo embora

Eu estava na corrida,

Meu cavalo estava lá também

Uma criatura linda, cheia de vida

Pena que perdeu

Tivemos que abater

Ó, caixa, hoje não quero vodca não, obrigado

Quero que você me escute um pouquinho, se der

Não dá?

Então tá,

Tudo bem

Vou só fazer meu pedido mesmo

Pagar e ir embora

Uma corda, por favor.

Bem dura, bem resistente.

❖❖❖
Apreciadores (4)
Comentários (4)
Postado 05/04/21 13:42

Seu texto é de uma agudeza que dói a alma!

Como é triste ver pessoas que acham que o dinheiro é capaz de comprar a dignidade ou o amor dos outros...

Uma hora o dinheiro não paga mais e alma se sente abatida e só e aí quase não se vê saída e aí se descobre que em plena corrida do dinheiro o que se perdeu foi a vida...

Parabéns pela obra!

Obrigada por compartilhar conosco.

Postado 05/04/21 21:19

Muito obrigado, Sonja,

"Uma hora o dinheiro não paga mais", queria ter escrito isso, hihi. Realmente é triste, e mais triste ainda é saber que é um tema tão pouco trabalhado.

Seu comentário foi interessantíssimo, eu que agradeço!

Postado 06/04/21 19:37

Uau, fiquei paralizada diante dos fatos do enredo, cada vez mais atrozes, quando se é viciado em controle, em poder, em dinheiro, a pessoa se destrói. Eu estou realmente impressionada com a qualidade desta obra genial, nua, suja de sangue, lavada com medo, posta para c'uarar com a vergonha...

Simplesmente genial! Parabéns Sena! E obrigada por entregar a nossa alma, uma obra com tamanha qualidade!

Postado 18/04/21 11:24 Editado 18/04/21 11:25

Olá, senhor Sena!!

Pela imagem de capa nós já somos avisados de que tipo de corda o título do texto está falando. Mas a leitura é tão magnífica, que nos faz ficar em choque a cada linha que vai se seguindo até a derradeira linha final.

Ao longo das frases tão cruéis do início do poema acabamos ficando com raiva do eu lírico, pois conseguimos enxergar que suas atitudes no final vão dar em merda. Mas é incrível como ele próprio não vê isso. Tal qual ocorre na vida de tantas pessoas que se perdem desse mesmo modo.

O ápice do meu choque e indignação é quando ele diz que não quer mais sua Vênus pois ela não vende seu corpo, e se deita de graça com ele. Ele diz foda-se ao amor, e vai em busca do dinheiro.

Pena que ele só percebe muito tempo depois que nessa busca pelo dinheiro ele irá se tornar uma casca vazia. Pois o dinheiro não traz felicidade não...

Esse texto é tão profundo que ao final dele conseguimos até mesmo sentir compaixão pelo eu lírico, pois conseguimos ver o quanto ele sofre agora que percebeu que sua vida havia perdido o sentido.

E por fim o pedido da corda destruiu meu coração...

Esse poema é realmente magnífico, senhor Sena!! Obrigada por ter dado vida a ele!!

Um grande abraço <3

Postado 06/11/21 00:12 Editado 06/11/21 00:14

Cara, que poema! Os versos são chocantes, mas incríveis na mesma perspectiva. A leitura me deixou estupefata!

Obrigada por compartilhar conosco!

Parabéns, Sena ♥