O primeiro objeto que encontrou foi o porta-retrato de casamento dos pais de Verde, de pé bem ao lado da televisão e de pequenos cachorros de resina. Thiago apanhou a moldura dourada com cuidado e a trouxe para perto dos olhos. A mãe de Verde realmente se parecia com ele, tanto no sorriso para baixo quanto nos olhos caídos e tristonhos. No rosto dela, no entanto, havia apenas a felicidade. Pudera: estava construindo uma de suas primeiras memórias com o homem mais especial de sua vida inteira. Aquele momento estava eternizado bem ali, numa simples fotografia, mas Thiago não conseguia parar de pensar em como Verde jamais seria feliz daquele jeito e em como ele tinha prometido ir embora aos vinte e um anos — e só não fora ainda porque tinha a esperança de ver o sol nascer bonito mais uma vez para ele.
Despejou o pó branco sobre o porta-retrato e atirou o pino vazio para longe. Com a carteirinha do clube que trazia a cara rabiscada de um Juracyr muito criança, formou duas carreiras compridas, tão brancas quanto a neve. Cada uma cobria um membro da família de Verde, que esperava, animado, ao lado de Thiago.
— Manda bala, cachorro — Terminada a sua arte, entregou ao rapaz o porta-retrato.
Com as mãos trêmulas, ele segurou firme a moldura com a foto e, com a outra, mexeu e remexeu nos bolsos da bermuda. Verde, com metade de um tubo de caneta vazio enfiado no nariz, desapareceu com uma fileira em questão de segundos. Ele limpou os farelos finos que sobraram em volta da narina com as costas da mão, e mandou um sinal positivo com o polegar para Thiago.
— Agora eu posso dizer que cheirei pó no porta-retrato de casamento dos meus pais.
— Ó a cara deles — o rapaz loiro indicou com o polegar a imagem do casal coberta de cocaína branquíssima, fina como farinha e brilhante como açúcar. Verde gargalhou alto, e Thiago fitou profundamente os sorrisos alegres dos pais do amigo, de braços dados um com o outro. — Eles estão orgulhosos de você, óia aí. Esse é o meu filhão.
Verde afagou suas costas antes de aumentar o volume da caixa de som, de onde saía um remix horrendo de Tempo Perdido, do Legião Urbana. Thiago jogou o porta-retrato em cima do rack, e a outra fileira de pó se desarrumou. A carteirinha do clube levantou voo e rodopiou no ar antes de pousar bem em cima do vidro, espalhando a droga ao redor do pé da televisão e em cima das chaves da porta da frente.
— Que belo filho que eu sou, Thiago.
Verde ria, mas em sua voz não tinha humor. Em seus olhos inundados e com pupilas grandes como pratos, havia apenas a tristeza. Em seu sorriso para baixo, angústia. Ele soluçou em meio ao riso, balançando a cabeça no ritmo da música, e uma lágrima ardida desceu por sua bochecha pálida e gelada. Quando Thiago envolveu seus ombros com o braço, um sorriso triste como uma despedida curvou seus lábios. Sabia que Verde logo iria embora. Era só questão de tempo. E Thiago não conseguia fazer nada para fazê-lo ficar.