Minha avó não era uma mulher mística. Desinteressada pelo oculto, nenhum pouco curiosa, o mistério não a fascinava, apenas a entediava, enquanto eu treinava minha leitura em voz alta com toda empolgação ao ler meus contos preferidos do Padre Brown, escutava do meu lado seus bocejos forçados. "Que prazer em ser confundida, menina". Para ela, absorver-se no suspense ou ponderar sobre qualquer realidade além da nossa revelava apenas o desejo de ser enganado, ou o de enganar. A adivinhação só podia ser mera inocência ou puro egocentrismo. Era uma mulher morna, por vezes antipática, e a rispidez de seu ceticismo ofendia os mais virtuosos e religiosos.
No auge de minha curiosidade infantil, tentei desvendá-la como uma charada e montar suas incredulidades num quebra-cabeça na esperança de que ele me revelasse algo novo sobre sua personalidade, mas ela não guardava segredos, compartilhava mesmo suas ideias inescrupulosas, além de deixar os diários, com seus pensamentos mais íntimos, que escrevera quando jovem expostos na estante da sala.
Toda tarde, logo após as aulas, antes de voltar para meu apartamento, ainda venho aqui, tiro o copo cheio de água que está no batente da janela e troco por outro. Faz tempo que ela se foi, mas a casa ainda funciona conforme suas antigas regras, suas impressões estão espalhadas pelos cômodos, até mesmo a maneira com que ela alinhava os porta-retratos é rigorosamente mantida por minha tia.
Para não ter que encarar o vazio em sua poltrona, é nela que me sento, de frente para a janela que emoldura as cores do quintal. Por minutos me sinto leve observando a água limpa fazer absolutamente nada no copo. Há algo especial sobre esta posição, foi daqui que minha vó viu pela primeira (e talvez única) vez o que mudou seus últimos anos de vida.
Eu aprendia a tricotar meu primeiro cachecol quando ela parou de dar as instruções e seu silêncio repentino instigou meu instinto bisbilhoteiro. Larguei então as agulhas para presenciar o que seria o momento exato de sua transição. Minha avó, estática, encarava um único ponto lá fora, quando perguntei o que tinha acontecido, ela apenas gesticulou para que eu esperasse.
Ela se resguardou calada até a noite, no jantar, sentada à mesa junto às filhas, a um genro e à neta mais velha, ela contou que tinha visto algo estranho andando na janela. Pareceu uma brincadeira e todos riram, menos eu, que já esperava por uma brecha para minhas perguntas:
— De qual tamanho, vó?
— Pequeno assim. — Mostrou com os dedos o tamanho de um grão de feijão.
— Tinha asas? Como uma fada ou um anjo? — Meus tios rindo e minha mãe falando para que eu parasse de ser boba não desencorajaram minha investigação.
— Não vi a forma, brilhava muito forte. Era só um ponto de luz, estava dentro do meu copo d’água, quando olhei, ela fugiu, pulou na boca de jarro mais próxima e se escondeu lá dentro.
— É aquela flor branca perto do muro? — Ela confirmou e o assunto se encerrou assim. Para meus tios e para minha mãe, a história foi apenas uma gozação com minha ingenuidade.
Apesar de minha insistência, vovó nunca mais falou sobre o ocorrido, mas passou os últimos anos colocando copos cheios de água, de suco ou de leite morno perto da janela. Ela fazia isso diariamente, com paciência, seu corpo balançava como se dançasse ao ritmo de uma balada, depois sentava-se em sua poltrona e ficava ali durante a tarde, seu rosto relaxado e sereno não demonstrava sinais de decepção ou de ansiedade. Não parecia alguém na expectativa de que algo surreal acontecesse bem na sua frente.
Eu adotei um método diferente, enquanto a casa dormia, eu saía do meu quarto e, escondida no escuro com um pote de vidro na mão, esperava o ponto brilhante aparecer para pegá-lo no flagra. Mas ele nunca apareceu outra vez, não para mim pelo menos.
Não me lembro se houve um momento específico em que perdi minhas esperanças ou se fui desistindo gradualmente, mas, quando as férias acabaram e voltei para a casa do meu pai, eu já tinha chegado à conclusão de que havia só duas possibilidades: ou o ser mágico não existia ou apenas minha avó conseguia vê-lo.
Hoje a primeira opção é a única válida para mim, não acredito mais em fadas ou em anjos, nada justificaria minha obsessão em perpetuar esse ritual tão simples de transformar copos em santuários, apesar disso, não há um dia que eu deixe de fazê-lo, talvez seja na esperança de agradar minha vó, embora eu também não acredite em vida após a morte. Pode ser que um dia isso pare de fazer sentido e eu olhe para trás pensando em como fui ingênua e gastei tempo com essa bobagem. Enquanto esse dia não chega, eu continuo aqui, com um olho no copo d’água e outro no copo-de-leite porque, bom, vai quê.