09/07/1985
A ARTE DA MORTE
Neste sábado, no dia 13, ocorrerá a maior exposição de pinturas da cidade. O conhecido e excêntrico artista que nunca revela ou assina as suas pinturas fará uma exposição única e a última do ano com mais de 38 obras da sua autoria.
O jovem pintor, apelidado de Púrpura em decorrência da sua singular paleta de cor é aclamado pela crítica e admiradores pela sua ousadia e irreverência ao trabalhar apenas com tonalidades na cor vermelha. Fontes nos afirmam que os mesmo irá revelar os segredos para o seu sucesso estrondoso. Um dos mistérios que cercam “Púrpura” é nunca revelar o seu ateliê ou suas técnicas utilizadas na pintura, uma vez que em cada quadro seu, segundo os avaliadores da arte, são usadas técnicas distintas. Será esse um dos grandes segredos que serão revelados pelo ilustríssimo artista?
XX/XX/1985
As escadas rangem com os meus passos pesados, a escuridão já não me incomoda, os meus olhos já estão acostumados. Levo a minha mão quase que instintivamente até o interruptor instalado na parede a esquerda, as luzes acendem em fileiras, o corredor frio e mórbido aparece em minha frente. Um odor quase familiar é inalado pelas minhas narinas.
A arte é uma das formas primitivas de comunicação humana e a pintura é uma das maneiras mais antigas da expressão artística. Na antiguidade, as pinturas rupestres eram feitas com vários materiais, dentre eles, o sangue animal. O que eu faço? Eu apenas me inspiro.
Releio novamente o jornal em minhas mãos. Uma pequena matéria, mas chamativa matéria na primeira página do jornal, assim como todas as outras. O fato de ter odiado o nome que recebi pelos meus... Como eles dizem? Admiradores, eles me instigam a fazer novas pinturas e quem sabe inovar dessa vez? Ao virar a página, no canto da folha, quase invisível, vejo uma pequena matéria sobre uma onda de desaparecimento de pessoas ao redor da cidade, mas ao que parece não é tão alarmante assim.
Caminho vagarosamente até um pequeno quarto, ou como os curiosos insistem em chamar "ateliê" instalado no final do porão, a acústica do local é favorável, às vezes eu trabalho com o som estridente de gritos de cantores ópera, isso é uma cortesia para a vizinhança não se incomodar.
Abro a porta do quarto e adentro o local, não é tão grande, mas é o suficiente. A luz acende assim que puxo uma pequena corda presa no teto, o chão com pisos brancos sobem até as paredes, apesar do meu trabalho, o local é de tamanha alvura que nem eu mesmo posso imaginar o que acontece ali. No centro há uma pequena cadeira de metal, em frente, uma tela branca apoiada em um cavalete improvisado de aço e mais adiante em um freezer, no qual, eu quase consigo sentir a presença do meu material de pintura. Estendo a minha mão para trás e fecho a porta. É hora de começar a minha arte.