Na verdade, não importa como começou a amizade, conta mesmo é que ela perdure e, se ao cabo de mais de quarenta anos, a recordação dela te trouxer um riso no rosto, essa é uma amizade eterna.
Quando conheci o Valdeci do lar 13, sequer eu ainda era interno do
Educandário Dom Duarte
, foi num passeio dos internos da Casa da Infância do Menino Jesus, ato que se dava para que os meninos se ambientassem na sua próxima morada, eu, o Dooley e o João Augusto conferíamos o gramado do campão, era ainda hora de jogo e ele era o goleiro, óbvio que ele não gostou.
Diante da indignação dele, rodeei o gol e disse a frase profética.
_Quando vir morar aqui, vou estufar essa sua rede.
Fui morar no lar 14, fiz amizade com todos os guris do 13, menos com o Valdeci, olhamo-nos e viramos a cara.
Em hora de recreio, brincando no lago, uns guris não ouviram o sirene e o irmão Lacídes entregou dois para o irmão Simão.
Um do lado do outro, olhando cada qual para a parede, feito dois inimigos, até a meia noite, no fim do castigo, seguimos em silêncio até o teatro, onde a subida da jaqueira e a escadinha do 13 nos separava.
Dia e mais dias, cumpri a promessa e estufei a rede do 13, no campeonato interno, no final do jogo não nos cumprimentamos.
Dois dias depois estávamos de castigo de novo, quatro horas olhando para a parede e sem olhar pro lado, um silêncio velado, temperado de ódio.
Depois do jardim circular do teatro, onde cresce uma palmeira ao centro e os buchinhos a cercam, ensaiei uma despedida:
_Tchau.
Isso saiu entre os dentes, quase não se podia ouvir.
O tchau que ele disse foi mais baixo ainda, quase forçado.
Dias depois nos encontramos na mesma situação, não aguentei:
_Caramba moleque, a toda hora você está de castigo???
_Olha quem está falando...
E rimos a valer, entramos a conversar e esquecemos que se tratava de um castigo.
O alemão meteu a cara pela janela da sala dele e sorriu irônico:
_Que bom que agora são amigos, o castigo foi aumentado em mais duas horas.