Eu-Robô
6 de Janeiro
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 01/02/21 01:52
Editado: 24/08/23 14:44
Avaliação: 10
Tempo de Leitura: 2min a 3min
Apreciadores: 4
Comentários: 4
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Palavras: 422
Não recomendado para menores de dezoito anos
Capítulo Único Eu-Robô

O robô tem pensamentos de morte:

Mas o robô, sorri para os humanos brancos de dentes largos e deixa bem claro: "Não foi nada! Estou aqui para isto".

Programação, versão número 2.1.

O robô tem o encaixe da tampa da boca obstruído por dentro,

O robô não quer mais sorrir,

O robô não quer mais carregar caixas e desparafusar todos os parafusos de sua coluna...

Não...

O robô não entende como o dinheiro pode valer tanto assim para uns,

mas para o robô, se esvai tão rápido...

O robô não quer mais ser bonzinho.

O robô chora e enferruja suas superfícies.

O criador do robô não o compreende mais.

Seus donos o esqueceram na chuva, ele não faz mais bip-bop.

Só faz snif, snif.

O robô está triste,

ele acha que nunca chegou a ter um lugar real para chamar de casa.

O robô pensa que foi tudo uma armação dos capitalistas,

o robô está furioso por trabalhar sessenta horas semanais.

O robô segue no corredor apertado, até seu empregador:

suado, sempre observando.

Se o robô pudesse, ele escarraria, mas o robô ativa sua programação de sorriso

e de voz molinha,

então com cuidado, calculadamente o robô profere

em voz melodicamente maquinária:

- Eu estou cansado...

Mas não!!! Robô foi criado para não cansar.

- Robô está exausto...

Mas não, Robô! Foi o combinado.

- Robô sente muito, Robô não sabia que seria desta forma.

Vocês, robôs... Sempre fingem não saber de nada. Muitos robôs, muitos humanos, dariam tudo pelo seu lugar.

Ouvindo isto, robô se zanga.

Robô, com seus pulmões de aço, programa sua respiração compassada

24/7.

Robô não consegue controlar.

Pane geral.

Fumaça quente sai de suas ventas, fumaça quente sai pelos ouvidos,

os olhos vermelhos do robô já estão resolvidos

e soltam de novo óleo preto escaldante.

Lágrimas de principiante.

Mas até quando, Robô?

Quando você conseguirá quebrar as pernas deles?

Um pixo no muro bem branquinho: "abusadores" em letras garrafais?

Quando, Robô, você libertará seus colegas, tão exaustos quanto você?

- Robô não consegue sozinho... - ele arranca uns fios da cabeça.

O robô quer se desligar, hibernar, modo demo, apenas no automático

Todo dia a mesma estrada,

os mesmos livros,

as mesmas vozes,

o mesmo andar pesado,

a mesma sensação angustiante, nojenta, repentina,

avassaladoramente cruel, a mesma sensação de morte,

de perigo, de dor, de ódio brota no peito,

todo dia, todo dia, Robô!

- Robô odeia os humanos.

Todos nós, Robô, todos nós.

- Robô quer destruir essa montanha de lixo!!!

Robô, desapareça logo daqui!

Pequenos avanços, Robô, amanhã você acaba com eles.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Sou eu.

Obrigada por biparem comigo.

Apreciadores (4)
Comentários (4)
Postado 01/02/21 08:27

Outro robô: eu...

O robô tem pensamentos de morte:

Sou eu também.

"O robô não quer mais sorrir,"...

Sou eu também.

"O robô quer se desligar, hibernar, modo demo, apenas no automático..."

Sou eu também.

Mas até quando, Robô?

É a minha pergunta também.

Tudo o que sempre senti é que sou algo que veio com um defeito de fabricação da fábrica e ainda assim, de algum modo bizarro, segue na linha de produçåo quando a única coisa que de fato lhe parece adequada seria a destruição (provavelmente com o prefixo "auto").

Que texto horrendo e exatamente por isso tão belo, Huldra... E de uma maestria cuja magnitude tétrica e intimismo angustiante mais que me escapam: me representam.

Muitíssimo obrigado e meus mais sinceros parabéns por uma vez mais criar uma obra tão poderosa, diferenciada e memorável.

E sinto muito também...

Atenciosamente,

Um ser robótico que jamais deveria ter sido criado e por muitas vezes odiou o fato de não terem conseguido abortar o seu lançamento, Diablair.

Postado 05/02/21 07:43

Que texto incrível, apesar de pesado como o aço. O sofrimento do robô foi uma analogia perfeita. "Robô não foi feito para cansar." Todas as comparações angustiantes, que obra de arte. Parabéns!

Postado 14/02/21 12:20

Que obra esplêndida!!!

Estou angustiada até agora...

Foi profunda, dolorida, cortante como o aço, mas descrevendo uma realidade tão feia quanto o metal.

Parabéns pela analogia e criatividade incomparável!

Seus textos são um grato e angustiante prazer.

Postado 04/09/21 11:48

"O robô chora e enferruja suas superfícies. O criador do robô não o compreende mais. Seus donos o esqueceram na chuva, ele não faz mais bip-bop. Só faz snif, snif." - no final do texto podemos entender que o robô na verdade é um humano, o que torna tudo mil vezes pior, mas, mesmo se fosse apenas um robô de metal, eu ainda teria ficado muito tocada com essa parte da leitura. Ou melhor, tocada com absolutamente toda a leitura que rasgou meu coração. Ainda mais ao final dela, lendo a nota de rodapé...

Obrigada por me fazer sofrer lendo esse texto ;--;

Um grande abraço <3