Cheguei à Casa da Infância do Menino Jesus com dois anos de idade, uma série de eventos, circunstancias e atitudes erradas me levaram e ao meu irmão, à condição de órfãos.
Essas coisas não são culpa de ninguém, não me doeu, me adaptei à nova situação e conheci um mundo novo.
Conforme o tempo passava, a memória anterior a isso foi se embaralhando e foi ganhando status de sonho ou coisa que se almeja.
O gosto pela música, eu já trazia comigo e a vivencia num orfanato que respirava isso, fez com que esse gosto aumentasse, ao ponto de as minhas memórias serem pautadas pela música, num sentido mais profundo, se tu me disser de determinada música, te digo o ano exato dela e o que acontecia na história.
Então, eu sabia o gosto musical de todos os funcionários e traçava o perfil psicológico de todos, pelo gosto musical.
Em 1971, quando eu estava no pátio do Anjo da Guarda, a televisão anunciou a morte de um artista consagrado, num acidente aéreo em terras francesas, morreu Agostinho dos Santos e, estranhamente, isso me abalou.
Era raro ouvir a voz desse cantor, ninguém do colégio era fã dele e sua música não era tocada pela mídia da época.
Estranhamente, as poucas vezes que eu ouvia-lhe a voz, eu fechava os olhos e me via voando alto com os braços abertos, sem que nada me segurasse.
A voz de veludo desse cantor me era muito familiar e, muitas vezes me levava às lágrimas, mesmo quando o repertório era mais feliz, no meu gosto musical coloquei o cantor numa nuvem que não havia mais ninguém junto...mistério.
Bom, qualquer encanto, por mais pesado que seja, um dia se acaba e, o rio vai sempre vai voltar para o seu curso.
Coisa de dez anos, mais ou menos, reencontrei a minha família, pelo menos o que sobrou dela e aquela parte da memória que havia ido para o limbo, se dissipou.
Acabou que eu descobri a familiaridade do cantor para a minha vida.
Esse, Agostinho dos Santos, era amigo de infância do meu pai e meu tio, sua mãe e minha avó eram vizinhas de porta, lá no Bexiga e aquela sensação de voar era muito simples:
Quando o trio de amigos brincavam, tinham por hábito, me colocar sentado no ombro e correr atrás dos outros.