O Gugo.
Nilton Victorino Filho
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 22/12/20 09:09
Editado: 22/12/20 09:11
Gênero(s): Cotidiano
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 5min a 6min
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Capítulo Único O Gugo.

Primeiro, devo dizer que, não consigo associá-lo com qualquer ideia de morte ou violência que o levaram a partir cedo demais, na minha memória ficou o guri magrinho que eu vi nascer e tinha em consideração como se fosse um dos meus filhos.

E em segundo, só escrevo sobre ele, por saber que ele não mais está entre nós, se estivesse, diria com seu sorriso amarelo e desafiador:

_Olha lá, meu pai escreveu sobre mim.

E isso me levaria a dar-lhe mais um cascudo, mais um.

Nasceu com o nome de Reinaldo dos Santos, filho da minha amiga Cecília no ano de 1988, nesse ano houveram quatro barrigadas na Rua Osvaldão, o Gugo, o Luther Victor meu filho, o Lucas GoncalvesGuilherme, da minha amiga Jussara, o Bruno Henrique da minha cunhada Sandra e o outro Bruno, neto da dona Alvanir, dentre eles, o Gugo era o mais ativo, o mais infernal.

Juntam-se os meninos na rua a brincar, um se sobressai invariavelmente, tem uma música que diz:

"Moleque novo, que não passa dos 12, já viu, viveu mais que muito homem de hoje”... Pois é, esse era o nosso menino, continuando o verso, ainda está falando dele.

Frágil corpo de guri e uma mente de adulto, a minha proximidade com os meninos da minha comunidade o encorajou a me chamar de pai, ele e o irmão André começaram a brincar com isso, dei-lhes um cascudo e não pararam.

Em épocas de aula, foram matriculados na escola do Educandário Dom Duarte, por habito, eu levava os meus filhos.

Naquele ano a prefeitura não forneceu a camisa da escola, comprei as dos meus filhos e quando subíamos pra escola, pisando nos paralelepípedos da minha infância, reparei que na pequena multidão, uns poucos meninos se destacavam, não portavam a camisa branca que padronizava os alunos, esses alunos eram da minha rua, o Gugo passou e eu gritei:

_Cadê a camisa da escola, moleque???

Sem o medo que é característico das crianças, exibiu o seu sorriso amarelo e sem cerimônia, disse:

_Quando você assumir a minha paternidade vai comprar uma pra mim, minha mãe não tem condições.

Ao dizer isso, não esperou o tapa, correu.

Quando cheguei em casa, percebi que havia um dinheiro de sobra, a Angela concordou, meu dinheiro dava pra umas 10 camisas, juntei com os fundos da Associação de bairro e encomendei 20 camisetas pros meninos da Osvaldão.

No dia seguinte, deu gosto ver que todos os meus meninos não estavam mais fora do tom e, mesmo que eu não tivesse feito publicidade, ao passar pela casinha do campão, lá estava o Gugo, exibindo uma camisa branquinha pros outros meninos, ao notar a minha presença, gritou:

_Olha que beleza, foi meu pai que me deu.

Se éramos todos uma família só, veio o Dínamo e consolidou a teoria, outros membros se juntaram ao grupo.

Quando alguém lhe chamava a atenção pelo fato de ele sair e voltar do grupo, dava de ombros e dizia:

_Não esquenta não, o dono é meu pai.

No campo era leal e raçudo e campeão em ser expulso, não dizia Dínamo, dizia FAMÍLIA.

Quando o meu filho Victor foi convidado a participar de um torneio pelo interior, compondo uma equipe do Corinthians, eu disse que não seria possível, não confiava em ninguém pra cuidar do meu filho, por atuar nesse segmento, sei o quanto é perigoso, nunca achei que alguém pudesse ter o zelo que eu tinha com os meus filhos.

Meu filho iria ficar triste, mas não daria pé mesmo, passei uns dias tentando achar uma solução.

Da janela do meu apartamento, na Chácara Bela Vista, se tinha uma vista quase panorâmica do terrão, ouvi gritos e me debrucei pra ver melhor o que acontecia.

Na grama, debaixo da minha janela, a Cecília se esgoelava a chamar o filho caçula que empinava uma pipa e fingia não ouvir.

_Ô Bolinha, vem pra casa comer.

Do outro lado da pista havia um descampado, debaixo das redes de energia, os meninos chamavam-no de "Terrão", o menino fazia manobras na pipa, a mãe gritou mais uma vez e nada.

Do nada, o Gugo veio correndo, atravessou a pista, ao vê-lo o irmão iniciou um a corrida, em vão, foi alcançado, imobilizado e levado à mãe.

Diante da minha gargalhada, a Angela quis saber, expliquei o meu plano e ela sorriu cúmplice.

No dia seguinte fui ter com o técnico do time:

_Imponho uma condição pra o meu filho ir ao torneio.

_Qual é???

_Tem que levar o Reinaldo junto.

Por incrível que isso possa parecer, dormimos tranquilos na ausência do nosso filho, sabíamos que ele não estava sozinho, o Victor nos disse depois, que o Gugo, ainda que fosse menor que ele, espantava todo mundo que se aproximava como se fosse um irmão mais velho.

Dias depois do torneio, me veio o Gugo:

_Tá vendo, como sou mesmo seu filho???

Pah, esse tapa foi um dos mais perfeitos que eu já dei na minha vida.

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Comentários (1)
Postado 14/05/21 11:42

Olá, Sr. Nilton!

É sempre bom poder transformar nossas memórias em textos, e a partir disso manter viva a lembrança de pessoas que já se foram da vida, mas que sempre irão existir em nossos corações...

Essa história me tocou muito, pois mostrou muito a força dos bons sentimentos, das boas ações, e principalmente das boas recordações!

Um linda história! Parabéns!

E um grande abraço <3