Eu costumava comprar os remédios da minha mãe no centro do município onde moro. Indiferente nos cruzamos e um dia, como outro qualquer, os olhares se cruzaram pela primeira vez e esse momento, ficou marcado. Não sei se você revelou-se deliberadamente ou tudo se sucedeu por conta de algum acidente cósmico bizarro, todavia pude sentir seus olhos de íris tão escuras e gélidas quanto o espaço sideral encarando meus olhos castanhos, minhas pupilas mais que dilatando com o contato visual que tivemos naquele ínfimo, e ainda assim, quase eterno segundo em que a multidão não lhe encobriu.
Como descrever algo tão lindo e tão monstruoso ao mesmo tempo? Como definir uma presença tão sutil e simultaneamente esmagadora? Eu lhe temi e lhe desejei com igual intensidade e foi no intervalo entre tantas ambiguidades que você desapareceu como se nunca tivesse existido.
Mas, você sempre esteve lá. E aqui. E em todo lugar, a qualquer tempo.
Desde nosso encontro, não tenho sido mais o mesmo; as pessoas me perguntam que diabos eu tenho ou o quê aconteceu com minha cara, afirmando que estou "esquisito". Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: - Em que espelho ficou perdida a minha face? É isso que elas querem saber? E como poderia eu dizer que foi no reflexo de seu olhar, quando me vi perecendo de tantas formas quanto seriam possíveis de ocorrerem neste mundo?
De velhice. De doenças. De acidentes. De assassinatos. De suicídios. De modos indescritíveis. E em cada uma delas, seja lá qual fosse/seja, você estava/estará lá.
Não sei quanto tempo ainda me resta, entretanto julgo não possuir muito, dadas as circunstâncias... Há quem diga que o tempo não existe, que somos nós que o inventamos e tentamos controla-lo com nossos relógios e calendários. Pois agora digo absolutamente convicto que o tempo, se é que tal conceito ainda (me) seja válido, segue apenas um fluxo inexorável: aquele definido por você.
Pois você é a Morte. A Destruição. O Fim de Todas as Coisas.
Assim como foi o meu em N aspectos quando te vi naquele dia e quando nos revermos uma última vez...