Adalberto chegou do supermercado, largou as compras sobre a mesa e foi sentar-se frente à televisão para relaxar por alguns instantes. O supermercado estava lotado de pessoas famintas por verduras e frutas, que estavam na promoção do dia. O empurra-empurra estava intenso, com pessoa espetando cenouras no fiofó dos outros para conseguir um espaço junto às beterrabas, e acabou estressando a todos. Uma senhora de 85 anos estava inconformada com a atitude rude das pessoas, a ponto de espezinhar fortemente a todos, pois ela não queria um tratamento diferenciado por ser idosa, querendo, portanto, ser cutucada por uma cenoura e não, cortejada com educação.
Jussara, esposa de Adalberto, chegou em casa cerca de 15 minutos mais tarde e ficou imensamente feliz em ver que seu marido tinha realizado as compras no dia de feira. Geralmente, era ela quem as fazia, no entanto, naquela quarta-feira, teve que ficar algumas horas a mais no trabalho e não teria condições de passar no supermercado. Os dois trocaram carinho e conversaram um pouco sobre os seus respectivos dias, em que descreveram momentos vividos de muito estresse. Jussara propôs, portanto, comer um cacho de uva para ajudar a relaxar, o que estranhou a Adalberto.
— Uva? Tem uva em casa?
— Claro! Você não comprou uva hoje?
— Não.
— Como não? O que você comprou?
— Só o essencial para passar a semana sem precisar voltar ao supermercado.
Com ar de desconfiança, Jussara se dirigiu às compras para verificar o que tinha sido adquirido por Adalberto. Deparou-se com quatro pacotes de espaguete, dois pacotes de molho quatro-queijos e suco em pó. Nada além disso.
— Adalberto, que compras são essas?
— As quais você me pediu para fazer, ora pois.
— Adalberto, por que não tem frutas nas suas compras essenciais?
— E por que teria? O importante é ter o que beber e comer. E depois, tinha trocentas pessoas em volta das frutas.
— Porra, Adalberto, como você é surpreendente. Hoje é dia de feira e só se vai ao mercado para comprar frutas e verduras com menores preços.
— Mas como é que eu ia saber?
— Aí que está! É por isso que estou lhe chamando a atenção! Você nunca reparou que eu sempre volto com frutas nas quarta-feira?
— Não.
— Caralho, Adalberto. Você é muito desligado. Não perceberia se um elefante passasse por cima de ti. Você sempre vive no mundo da lua. Não consegue dar atenção a nada nessa vida. Você tem que melhorar muito para ser capaz de saber o que é quente ou frio. É impressionante como você...
— Epâ! Epâ! Epâ! Vamos parar com esse espezinhamento gratuito. Basta aquela senhora que queria ser cutucada no supermercado.
— Isso não é gratuito. É muito bem justificado, inclusive. Você foi ao supermercado e comprou molho quatro-queijos. Por que você comprou isso?
— Preparar espaguete com esse molho pronto é rápido. Por isso considero essencial.
— Porra, Adalberto! Essencial para ti! Esqueceu-se que sou intolerante a lactose? Essa merda é puro leite!
— Eita, que cagada!
— É impressionante, Adalberto, a sua capacidade de fazer besteira. Parece que você levanta de manhã predestinado a fazer tudo errado. Ou você só faz para me irritar? Isso só mostra como você...
— Opa lá! Já disse para parar com esse espezinhamento! Está achando que é Deus, senhora dona persona?
— Óbvio que não sou Deus. Até porque se fosse, eu saberia o porquê de você ter comprado isto. Aliás, por que você comprou esse suco em pó?
— Porque não gosto de água pura e esse suco dá um gostinho de fruta...
— De fruta, Adalberto? De FRUTA? Francamente, Adalberto, vá cagar no mato.
Jussara se trancou na cozinha enraivecida, onde prepararia algo para jantar e buscaria se acalmar. Ela odiava ficar nervosa com seu marido, mas sua desatenção sempre a enfurecia. Por sua vez, Adalberto ficou sentado pensando em todas as palavras que sua esposa lhe dissera e notou como elas foram intensas. Refletiu mais um pouco e viu como seu jeito de ser causava reações explosivas nas pessoas que o espezinhavam para mostrar descontentamento. Não sabia se de fato era um problema dele ou de todos os outros.
Mas tendo que superar o ocorrido, Adalberto foi até seu cachorro que brincava no meio da sala. Tentando interagir, ele pegou a bola de tênis da boca do Bobi, o qual prontamente o olhou enraivecido e se expressou com sequencia enérgica de latidos. Nesse momento, Adalberto percebeu que ser espezinhado era sua sina. Por isso, ligou o foda-se e foi tomar um suco de maracujá.