Numa noitinha qualquer, o gato preto subiu no muro da casa como costumeiramente fazia. Apolo sentou-se sobre o concreto balançando sua cauda felpuda levemente. Lá do alto, seus olhos verdes observavam aquela ruazinha pacata que não era lá tão interessante. Carros e motos vez ou outra interrompiam o concerto repetitivo dos grilos enquanto as pessoas sempre apressadas passavam por aquela rua mal iluminada. Só havia um poste que ficava mais ou menos no centro da Rua 13, e ele piscava de vez em sempre.
Naquela rua escura e monótona, uma luz chamou sua atenção. Num casarão, uma janela emitiu aquela típica claridade amarelada. Apolo se lembrou que o Sr. Lírico tinha dito algo sobre uma nova moradora na vizinhança com a Sra. Poética no café da manhã. Curioso como era, o gato preparou as patas e calculou um pulo perfeito. Uma aterrisagem leve como sempre. Depois de chegar ao chão, foi-se para o outro lado da rua. A casa da vizinha misteriosa tinha o muro baixo, e chegar até a janela seria moleza para ele. No entanto, uma placa também avisava: CUIDADO! CÃO BRAVO!
Apolo bem conhecia o ditado popular sobre gatos e a curiosidade, mas sua noite estava tão chata que preferiu correr o risco. Esgueirou-se pelo murinho branco atento ao interior da típica, porém grande, casa de alvenaria. De frente, nenhuma outra janela da casa estava acesa. Aquela ao lado esquerdo, perto do quintal, era a única. E justamente no quintal repousava um grande rottweiler. Parte de si quis dar meia volta diante do perigo eminente, mas ele já havia cruzado a rua e não ia desistir agora. O cão estava ocupado dormindo, e mesmo que acordasse, Apolo podia subir no telhado antes dele o alcançar. Com cuidado e um pouco nervoso, o gatuno finalmente chegou na iluminada janela. Apolo viu um berço, era um quarto de bebê. Leve, colorido e mesmo com a janela fechada, seu olfato felino podia captar o cheirinho de lavanda lá de dentro. A pequenina estava sentada no berço e uma moça segurava um livro cheio de figuras na frente dela contando uma história. Apolo conseguia ver olhinhos atentos e um pequeno rosto em contemplação. A moça tinha os cabelos vermelhos e um sorriso bonito. Ela parecia trazer a magia do livro sair das páginas para aquele quarto. Uma série de aventuras e mundos preenchiam aquele pequeno espaço. De repente, a moça notou o curioso gato na janela. Mas diferente da maioria das pessoas, ela não teve medo e nem o enxotou. Apenas sorriu para ele. E a cada noite, mesmo diante daquele vidro e do dorminhoco rottweiler, Apolo também parava para ouvir aquelas histórias.