– Senhoras, senhores, crianças, cães, gatos, ratos... borboletas! – Dizia ele enquanto iniciava a apresentação da peça.
Neste exato momento, o teto inflável que nos cobria abria-se permitindo que as borboletas atraídas pelo ar e a luminosidade - ainda que mínima - que o pôr do sol exercia voassem em um conjunto belíssimo! Variando em cor, tamanho, velocidade, o conjunto nada uniforme, se me permite a opinião, se assemelhava muito aos fogos do Réveillon, de um modo tal que não poderia ser mais encantador... desculpe-me voltando a história.
– Sou vosso humilde servo nesta noite! – Apresentando-se de modo gracioso ele garantia enquanto cortejava ao público, sua atenção e carinho. Vagarosamente retirava a longa cartola, nunca se esquecendo de seus dias de mágico, puxava dela uma única flor a qual sempre ia para a senhora mais idosa dos assentos mais próximos. O riso de uma moça já com algumas décadas sempre agraciava o ego do público - Muitíssimo em breve as cortinas, agora cerradas, se abrirão, levantarão e desaparecerão de vossas vistas. Atores e atrizes assumirão o palco quase vago, o qual, apenas eu ocupo, em breve, as luzes focarão no verdadeiro espetáculo e quanto a mim, bem, eu DESAPARECEREI!
Ah, fala sério, toda vez o mesmo truque! Um pouco de fumaça, explosões o encobrem e ele pode rapidamente deslizar pelo vão milimetricamente preparado sob seus pés, o vão é rapidamente selado pela madeira do palco novamente e voilá! O público permanece petrificado em seus assentos enquanto seus olhos buscam avulsamente o que aconteceu com o homem que estava em sua frente há alguns segundos, clássico.
A peça do dia é nada menos do quê Macbeth, uma obra e tanto se quiser minha opinião, mas após ver algumas dezenas de vezes até a mais bela das obras perde parte de seu encanto, agora, me concentro no público, ver suas caretas nas cenas mais nojentas – nunca deixo de rir ao ver a reação do público quando o sangue falso jorra manchando suas roupas, já tivemos algumas moças que saíram daqui mais do que irritadas por isso, mas te garanto não é nossa culpa, há um aviso gigantesco pedindo encarecidamente que as pessoas venham com roupas mais dispensáveis ou de fácil lavagem, mas você sabe, público é algo difícil de se lidar com – é de um agrado e tanto, mas tenho que confessar, já dei algumas altas gargalhando que me renderam um puxão de orelha e tanto.
Meus queridos leitores, provavelmente, vocês devem estar se perguntando por qual motivo estou contando-lhes esta história, bem não se preocupem, em breve, chegaremos ao que realmente importa! A verdadeira pergunta para o momento seria quem sou eu? Vocês já devem ter percebido que não estou no grande público, não apresento a peça, não sou um dos atores, talvez eu não deva responder esta pergunta, deixarei para vocês, pois acontece que sou um grande fã de mistérios e como será mostrado a vós, não estou nesta história, estou? O que realmente acontece é que isso tudo a cima se trata de uma história que eu almejaria para minha vida, explicarei, quando criança sempre fui um grande apreciador do teatro e como tal, sempre quis trabalhar juntamente com grandes intérpretes, mas sempre achei muitíssimo enfadonho o fato de as apresentações ocorrerem em um local fechado e em um súbito momento enquanto me deparava com a televisão percebi, “é isso! Um circo, é claro!”, percebam, para a mente de uma criança, não era lá uma má idéia, um teatro dentro da estrutura de um circo, um sonho até hoje e é por esse motivo que resolvi criar a presente estória, senti em mim a obrigação de repassar para a humanidade a maior artimanha que nenhum outrem havia jamais pensado!
Bem, creio que é isto. Dado que a única boa idéia que já tive foi finalmente repassada, penso que posso finalmente acabar... nada mais me sobra, não penso em razão outra para continuar... mas, espere, espera, espera! Talvez ainda dê tempo de mudar algo, talvez se eu conseguir descer desse parapeito, talvez não precise ser tão trágico quanto foi Macbeth!
Mas o tempo não esperou, a gravidade não parou, o vento não o jogou para cima e as luzes lá em baixo na rua, bateram em seu rosto cegando-o e por um momento, apenas um centésimo de segundo, ele entendeu como os atores se sentiam, quando, do alto, ele as apontava para eles, mas isso foi em outra história, uma que vivia na mente da criança, criança que morreu anos antes, com a esperança de que ele não viesse a se matar.