A gente dá o que tem.
Nilton Victorino Filho
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 04/11/20 22:15
Gênero(s): Cotidiano
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 4min
Apreciadores: 2
Comentários: 2
Total de Visualizações: 375
Usuários que Visualizaram: 3
Palavras: 483
Livre para todos os públicos
Capítulo Único A gente dá o que tem.

O seu Odilon e a dona Ana, é bem provável que tivessem tido uma passagem bem desgraçada, cada um deles, em suas infâncias.

Isso justificaria os maus tratos à que submeteram os internos do lar 14, dois bichos, que resolveram constituir família e acharam um serviço com casa e comida.

Sua função era bem específica; cuidar de 45 menores, dar-lhes uma educação e protegê-los.

Não que isso fosse um serviço fácil, mas durante o tempo que o exerceram, deturparam tudo... espancavam, castigavam e os expunham à escravidão infantil e, lucravam com isso, com a conivência da diretoria e da Liga das Senhoras Católicas.

Analfabeto e coxo da perna esquerda carregava sempre um revólver à cinta, a esposa achava tudo normal.

Quando explodiu na imprensa, a verdadeira condição à que os internos do Educa eram submetidos, a primeira cabeça que rolou, depois dos irmãos, foi a do Odilon.

A sensação de liberdade que nos alcançou nesse dia, deve ter sido igual a da assinatura da lei áurea, quando voltamos da escola, já havia se escafedido o nosso algoz.

Respiramos um ar de liberdade que não conhecíamos e ficou o Luis Antonio, que era o interno mais velho, como nosso responsável.

Luis Antonio, aliás, uma das almas mais iluminadas que eu já tive o prazer de conhecer.

Nesse ponto, tem uma coisa que acontece com meninos, que não cabe explicação... era ruim o Odilon? Ah, ele era bem pior que eu descrevi.

Mas, pra meninos que não tem pai, era um pai ruim, mas era a única coisa que se aproximava da figura de um pai, pelo menos pra aqueles que não tinham um pai, que coisa doida.

E então, contrariando tudo o que o bom senso chama de razoável, fomos, eu, o Viana e o Adilson (Ovinho) visitar o Odilon em sua nova residência.

Foi morar na Vila Borges, bem perto da Foseco, nos recebeu bem o casal, ficamos a tarde toda e eu tive a chance de brincar de novo com a menina Márcia, a filha que tinha uns seis anos.

Quando voltamos pro Educa, já nos paralelepípedos que ladeiam o campão e parte em direção ao Aprendizado, os três tinham a companhia do arrependimento, o silêncio pesava.

Não falei palavra nenhuma, o Viana disse:

_Que merda a gente acabou de fazer?Esse casal tratava a gente feito bicho e a gente sai pra visitar, como se fossem pessoas de bem.

Quando o Viana ficava nervoso, uma veia aumentava e ficava visível em sua testa, permaneci em silêncio, sentia mesmo a vergonha do amigo.

E veio do Adilson, o amigo de menor inteligência, entre todos os amigos:

_Eles não eram bons, é verdade, mas nós somos. Nascemos assim e nem a longa convivência com pessoas ruins, nos há de tirar essa bondade, se é verdade que cada um dá o que tem, nós acabamos de dar à eles o que eles nunca nos deram.

❖❖❖
Apreciadores (2)
Comentários (2)
Postado 17/11/20 15:09

Foi absurdamente nobre da parte de vocês ir visitar pessoas que fizeram tão mal! Espero que a atitude linda, humana e adulta de vocês, os tenha feito refletir, se arrepender da vida criminosa e odiosa que tiveram e se tornarem pessoas melhores, tudo acontece por um propósito.

E parabéns, mais uma vez, por esta obra impecável!

Postado 03/01/21 22:40

Nunca um texto conseguiu transmitir com tamanha sinceridade o significado real da palavra "bondade". Que gesto lindo esse descrito... Não é porque os outros são ruins que nós temos que ser... A leitura deixa registrado um grande ato de humanidade e um ensinamento para a vida.

Obrigada por compartilhar conosco!

​Parabéns, Nilton ♥