A princípio, tudo parecia ser tão simples que chegava a ser tedioso: graças a uma denúncia dos aldeões de Lowspit, o grupo de soldados especializado em localizar e exterminar seres humanóides, monstruosos e infectos denominados Baratas havia chegado sem grandes dificuldades ao ninho das criaturas, localizado em uma velha e desolada fazenda mais ao sul. A equipe composta por seis pessoas era liderada por Freya, uma das mais proeminentes militares de sua turma. A ruiva de olhos verdes e sardas no rosto ganhara tal alcunha depois de ter exterminado sozinha mais de dez Baratas em um ataque-surpresa em uma rede de esgotos ao sul de Diertown. As três últimas utilizando as mãos nuas, inclusive.
Dotada de beleza, astúcia e uma vontade férrea, Freya comandava os demais de modo exemplar e severo. Todavia, isso fazia com que fossem sempre bem-sucedidos e garantia-lhe total cooperação e respeito de seus subordinados. Seu braço direito era Snake, um homem oriental, esguio e silencioso que prezava mais a ação do que o diálogo e tinha uma mira invejável: seus índices de acerto nos treinamentos de tiro ao alvo nunca foram menores que noventa e seis por cento. Ainda contava com os gêmeos T-Bone e Razor, dois homens negros enormes, truculentos e viciados em adrenalina, que adoravam lutar e estar no meio de um tiroteio. Se a missão terminasse sem um disparo sequer, resmungavam o restante da semana e acabavam brigando entre si.
Microchip, um jovem loiro de estatura baixa, corpo atlético e sorriso fácil era o quinto membro do grupo, responsável por operar os drones de reconhecimento e garantir a comunicação e a atualização de quaisquer informações para e entre a equipe. Era o mais novo da equipe e o mais tagarela também. Por fim, havia a enigmática Highlander, uma robusta morena de cabelos escuros como as íris de seus olhos que sobrevivera praticamente ilesa de uma explosão durante um atentado inimigo a um vilarejo cuja fronteira a soldado estava patrulhando. Sua especialidade era o combate corpo-a-corpo e o manuseio de armas brancas.
Juntos, eles formavam um time à beira da perfeição, tendo suas capacidades elevadas ainda mais graças a suas afinidades com o implante cerebral denominado Visor, que auxiliava na comunicação, mira, condicionamento e na objetividade de seus sentidos: com ele, ruídos desnecessários eram filtrados, odores como sangue e bosta ignorados, a visão se tornava muito mais aguçada e coisas como dor e fadiga diminuíam bastante. Unindo todos esses fatores com o rigoroso treinamento, os demais equipamentos bélicos de alta tecnologia e a disposição de eliminar o inimigo, aquele sexteto rumaria para a elite do Exército sem demora.
Tudo isso foi relembrado por Freya ao tentar manter a consciência e a sanidade enquanto se erguia do monte de feno onde havia sido arremessada como se fosse uma boneca de pano sem sequer entender direito como. Seu mundo agora se resumia a sofrimento e fúria perante o pesadelo que se desenrolou em um piscar de olhos esverdeados e incrédulos, que vasculhavam o celeiro abandonado onde estava de modo célere, inconformado. Sua busca visual a fez perder o fôlego e acelerou ainda mais sua pulsação com o que detectara.
Em um curto flashback, reviu a equipe constatando que no reduto todos os alvos já estavam mortos, trucidados como se tivessem sido vítimas de algum animal colérico e seus pedaços dispersos ao acaso por todos os lados acabavam por formar desenhos e inscrições em alguma linguagem esquecida que o Visor era incapaz de identificar. No centro do local, sobre o que pareciam um pequeno altar improvisado, jaziam alguns frascos quebrados, seus conteúdos coloridos misturados com vísceras e um par de mãos femininas decepadas denotando que algo brutalmente errado acontecera ali. O lugar inteiro jazia em uma espécie de atmosfera sombria artificial, hostil e agourenta, imersa em um silêncio que parecia querer engolir os intrigados invasores.
E então começou o ataque, os gritos e a loucura, tudo em sucessão surreal demais para os soldados reagirem à altura. Em meros instantes, o que começou anormal terminara inacreditável.
Os corpos de T-Bone e Razor estavam divididos ao meio, suas entranhas expostas ainda escorrendo para fora da hedionda lesão dos cadáveres. Snake permanecia inerte, com um rombo imenso no torso devido a um caibro que lhe transpassava e fixava-o no telhado do recinto. Não conseguiu encontrar Microchip, mas os braços amputados do mesmo ainda seguravam sua metralhadora favorita e descarregada em um canto como se fossem bizarros enfeites. E quanto a Highlander... A cabeça dela estava sendo segurada pela coisa que atacou o grupo e que agora estava de costas para Freya, encarando-a por cima dos ombros.
Foi tudo tão rápido, tão... Inumano. Mas, como?! Ela sabia que às vezes as Baratas, monstruosas como são, poderiam tentar revidar e resistir à execução, mas aquilo estava além de qualquer registro ou preparo que tiveram. Diabos, era apenas uma! Não podia ser real! Não podia!
Só que era.
A pretensa Barata era um macho com quase dois metros de altura, careca, orelhas pontudas e pele escura como a dos falecidos irmãos. Seu corpo humanóide e musculoso estava mal coberto por andrajos agora manchados de sangue e suas mãos, terminadas em garras afiadíssimas, largaram a cabeça da morena que ousou atacá-lo como se tivesse perdido o interesse. O baque úmido e nojento dela no chão pareceu ecoar no local, demovendo Freya de seu esturpor e incitando-a à reação enfurecida.
A mulher gritou um palavrão enquanto travava a mira no algoz de sua equipe e efetuou todos os disparos que possuía com sua arma, cuja munição era potente o bastante para perfurar metal como se fosse papel molhado. Diferentemente do que outros membros de sua espécie fizeram antes em batalhas anteriores, o ser não pareceu implorar pela própria vida com grunhidos e gestos agitados, não buscou desesperadamente por abrigo, não... Se moveu. Cada projétil encontrou o alvo de modo ruidoso, todavia inofensivo, caindo como moscas sem asas aos pés descalços do temível oponente.
- Primeiro, pedras. Depois, flechas. Agora, isso. - um suspirar tedioso se seguiu àquela voz gutural que rasgava a penumbra do ambiente e a coragem de sua pretensa executora. - Que criaturas tediosas continuam a ser vocês...
Um calafrio gélido percorreu toda a extensão da coluna espinhal da soldado, que podia sentir o leve odor da fumaça exalada pela sua arma. Os pensamentos e sentimentos se misturavam em um caos apavorado dentro de si. Como aquilo estava se comunicando com ela? E essas estranhas e inéditas sensações que a acometiam? E como aquela Barata fez aquela chacina e ainda estava viva após ser totalmente alvejada sem nenhum tipo de proteção?!
A palavra impossível nunca retumbou tão poderosa e coerente em seu âmago na medida em que o ser desconhecido se voltava para ela, revelando um símbolo escarificado no meio da testa e sua dentição semelhante a de um tubarão formava um sorriso demente e malévolo ao encarar sua próxima vítima no mais profundo de suas pupilas dilatadas. Não era fisicamente muito diferente de tantas outras Baratas que ela matara até hoje.
Entretanto... Havia algo além da análise do Visor. Era como se a própria alma de Freya gritasse à beira do pânico por reconhecer o quê quer que estivesse diante dela.
- Não era para ser muito mais fácil atirar contra o bicho-papão, ó pobre inseto? - debochou a monstruosidade enquanto pisava na cabeça de Highlander, esmagando-a como se fosse um ovo. - Com toda essa parafernália, com todas essas ferramentas, com toda essa arrogância, deveria bastar, não é? Só que não desta vez. Não desta vez...
O misterioso adversário correu em uma velocidade absurda na direção de Freya, cuja programação do Visor parecia enlouquecer junto com a usuária na medida em que a besta-fera lhe atacava, rasgando-a aos poucos e às gargalhadas de modo a mantê-la viva a despeito das inúmeras lesões que se acumulavam a cada movimento tanto dele quanto dela. Sem mais suportar, Freya tombou trêmula e salivante, totalmente vencida. Morreria em questão de minutos devido ao sangramento.
- Ei verme, sua tentativa de limpeza genética e genocida fez com que os perdedores desta sua guerra implorassem por ajuda, sabe? - disse calmamente, visualizando cada corte e filete rubro como se apreciasse uma obra de arte. - E para sorte ou azar de todos, eu ouvi.
- Vá... Se foder, maldita Barata! - vociferou a ruiva, rastejando um pouco para trás enquanto removia o pino de uma granada incendiária e atirava seu cinto repleto de explosivos entre ela e seu torturador. - Você vai pro Inferno... Junto comigo!
Ela ainda conseguiu ver a criatura apanhar a tira escura em pleno o ar antes da homérica explosão devastar o celeiro, incinerando completamente toda a estrutura, os seus falecidos companheiros e a ela mesma, que morreu com um sorriso selvagem no rosto dilacerado ao imaginar que seu ato heróico vingou sua equipe e eliminou uma ameaça sem precedentes no processo. Ela jamais saberia que a dita Barata ainda estava lá, rindo alto no meio de todo aquele fogo enquanto o absorvia com as palmas das mãos até o extinguir, totalmente ileso e revigorado.
- Chamas? Contra mim? - o misterioso ser não conseguiu evitar que seu comentário se convertesse em uma nova e insidiosa risada que ganhou a noite enquanto ele fitava o horizonte. - Vejamos se vocês ainda queimam tão bem aqui quanto o fazem lá embaixo, criaturas imundas...
E então, manifestando uma impressionante aura ignea com toda a sanguinolência e malevolência do mundo, a monstruosidade se embrenhou na mata rumo à carnificina que a aguardava dali em diante em Lowspit e em todos os demais lugares onde aquelas criaturas se amontoavam como os parasitas planetários que eram.
Seria um imenso e intenso prazer descobrir quantas vidas ele seria capaz de tirar antes do término do prazo da tentativa fracassada de invocação findar...