A Pupila da Devastação
6 de Janeiro
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 29/10/20 21:35
Editado: 29/10/20 21:46
Avaliação: 8.47
Tempo de Leitura: 6min a 8min
Apreciadores: 5
Comentários: 4
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Palavras: 1046
Este texto foi escrito para o concurso "Concurso Macabro - Monstro" Te convidamos a olhar debaixo da cama e nos contar qual monstro está escondido aí. Ver mais sobre o concurso!
Não recomendado para menores de dezoito anos
Notas de Cabeçalho

"A mulher era uma parte que eu ignorava, eu já a senti embaixo de minha antes, eu tentei nunca dar ouvidos às suas palavras, até que suas palavras foram a última coisa que eu ouvi". - Sillhouttes (AURORA)

Capítulo Único A Pupila da Devastação

Uma, duas, três horas a fio, olhando-a de longe... A pele da criatura ficava cada vez mais vicosa e repleta de escamas a cada olhadela que eu ousava disparar, por curiosidade - escamas grossas como feridas que foram sendo feitas uma por sobre a outra, uma casca tão grossa que um míssil não a penetraria nem se tentasse com bastante fé.

Aquele... Organismo quase vivo mal respirava, se encontrava vidrado admirando a própria sorte que tem por eu não estourar seus miolos podres e nojentos; era uma besta, a pior elaboração do mal. Perverso monstrengo com dentes moles e podres, gengiva ácida que corroeu quase toda a língua, já que aquela... Pupila da Devastação, nem mais falar conseguia, apenas grunhir, implorar com seus grandes olhos esbugalhados e vermelhos, para que eu a deixe viver...

Sim... Coisinha infernal, preciso torturar-te um pouquito mais, nada apagará das páginas do universo, as perversidades que você articulou, suas palavras maléficas, seus pensamentos indiscretos, seu dom para a vingança, inveja, ira, ganância, corrupção, ódio, mal agradecimento - pouco contentamento - você sempre teve tanta sorte, desperdiçou cada moeda.

Mas não por muito tempo, satanás!

Caminhei até o ser retalhado - bem feito!

Algum dia ela foi mulher, algum dia foi humana, algum dia; sua mãe a acalentou nos braços e a aninhou no peito, desperdiçando horas e horas para amá-la, protegê-la, beijou-a e disse que ela mudaria o mundo... E como mudou! As marcas da vadia ainda corroem a minha pele, todo o julgamento e praga que ela lançou sobre mim, toda a violência, toda a imprudência com a qual ela foi me guiando... Criatura tenaz!

Ai de mim, Senhor, ai de mim!

Desferi um soco em sua face, formando uma grande bolota de sangue amassado, ela se contorceu tanto e urrou - mas o demônio não sente for, no entanto, ela atuou tão bem que foi como se doesse em mim.

Às vezes penso que, de tanto tempo que a trancafiei aqui no escuro para que ela pudesse pagar pelo que fez, começo a ficar igual a ela... Soquei-lhe a face mais oito vezes - só para me vingar - até que ela tivesse ânsia de vômito, por percebê-la assim, tive vontade de me matar.

Desgosto!

- Como ousa sangrar, demônio? Deveria sair fogo de suas veias! - bati a cabeça dela na parede.

A criatura só fez gritar e olhar dentro de meus olhos, implorando por algo subjetivo.

- Fale comigo! - bati a cabeça dela na privada imunda - Fale comigo!!! - bati mais uma vez.

A criatura então, passou de muda para falante, as palavras eram cuspidas junto com o sangue, ela diante a mim, abaixo de meus pés, admitia seus crimes em meio a gargalhadas de puro prazer... Abominável!

- Pare com isso! Como ousa??? - bradei em surto.

Ao mesmo tempo que eu sentia repulsa por este monstro, algo nele me deixava curiosa, a mesma razão, me fazia voltar naquele banheiro mofado noite após noite, apenas para verificar de que aquilo ainda estava sob meu total controle, no entanto, ela sempre me surpreendia com cada vez mais atrocidades.

Seus olhos vidrados, sua boca cheia de lixo e fétida, suas unhas roídas até o talo, suas unhas dos pés emporcalhadas de fezes, canelas grossas e roxas como duas beterrabas cozidas - cheirava como tubérculo, suas pernas cheias de varizes, cicatrizes, pernas que antes eram fortes e belas - barriga peluda, continha maldade naquele estômago, eu sentia... O mais desgostoso eram aqueles seios caindo por sobre a banha, tudo isso envolto da camada grossa de cascas de chagas que brotavam pelo corpo todo.

E a vagina dela... Horrorosa, inchada e escura, fétida, escorrendo um líquido pastoso, pestilento. Era a parte que eu mais odiava naquele ser.

- Cubra isso! - apontei para a região - Como não sente vergonha??? Como um ser como você pode existir, vou te esguelar! vou te matar e depois cortar cada parte do seu corpo e queimar, vou acabar com a maldição!!! - novamente, meus pés ganharam vida e dispararam para cima do bicho com pontapés cada vez mais fortes.

Chutei até sentir minha própria canela ferver.

Eu estava exausta, exausta de lidar com o monstro, exausta de ter de mantê-lo preso ali, em minha casa, em meu banheiro, em minha cama, dentro de minhas roupas, por dentro de meu tórax, se expandindo em meu cérebro, não podia mais suportar!!!

Arfei, quase perdendo o ar, minha visão turvou-se e bati de frente com o espelho, então pude ver-me..

Minhas pupilas quase explodiram ao ver a verdade:

O Monstro.

A Pupila da Destruição.

Satanás.

Ogra.

Perversa.

Bárbara.

Atroz.

Eu mesma.

Como pude? Estar aqui e ali e lá o tempo todo? Como pude?!

Entrei em pânico!!!

Sou o monstro que recebeu os chutes e sou a perna que os desferiu. Não há como fugir de quem sou. E pareço ao mesmo tempo, ser forte o bastante para aturar os golpes, digerir as verdades e subsistir à realidade a qual participo.

Olhei meu rosto completamente desfigurado.

Soquei-me no estômago mais uma vez.

- Palhaça... - acusei-me enquanto lágrimas voltaram a escorrer.

Observei meu corpo medonho... Quando foi que fiquei assim? Solucei e urrei de descontentamento.

A pele escamosa- minha. Dentes podres - meus. O aspecto horrível e maligno nos olhos - minha culpa.

Uma existência pavorosa.

Alguma vez tive família?

Eu não me lembro o que significa o calor de ser amada... Já fui amada... Por mim?

Olhei então para baixo e peguei-a no flagra. Minha vagina, expelindo seus mucos. Abominável!

Golpeei o espelho e de uma lasca gigante que saiu dele, esfaqueei-me, vendo meus dedos frenéticos pelo reflexo, lá se foi clitóris tosco, lábios vaginais gigantes, a coxa, a perna, a barriga, meus próprios seios gigantescos e flácidos.

Um açougue de bizarrices no chão do banheiro e mãos que não cessaram até que meus olhos desligaram e eu pude me entregar finalmente, finalmente... A imensidão de não ser mais nada.

Quando me achassem, veriam enfim que fiz a única coisa boa em toda minha encapelada existência: dar um fim a ela.

Libertar o monstro e me aprisionar dentro dele.

Enquanto minha alma expira eu penso se o universo terá o amor próprio de nunca mais me dar uma nova chance de ser algo novo, um alguém novo... Não, é muita maldade, nem o diabo deve concordar com isso!

Que eu jamais renasça! Que se finde aqui, minha devassidão...

❖❖❖
Notas de Rodapé

Espero que vocês não tenham levado para o lado pessoal o fato de eu ter descrito algumas partes do corpo humano de forma tão abominável aos olhos da personagem, não compartilho das mesmas ideias, óbvio, muitas características minhas são idênticas aos do "monstro", talvez deva ser por isso, que resolvi libertá-lo aqui.

Talvez, esfaquear-me até a morte e ver meus órgãos sorrindo para mim, seja um desejo profundo. Mas, jamais será concretizado, sou medrosa, diferente da personagem.

Então, sem mais delongas, e sem mais psicoterapia, agradeço a quem conseguiu ler sem vomitar.

Apreciadores (5)
Comentários (4)
Postado 08/11/20 03:12

Esse texto me trouxe tantas interpretações diferentes e paradigmas discernidos, que socorro, se torna sufocante - no bom sentido. No começo o leitor é submetido à uma ideia de vingança; sabemos que a criatura era vil e doente, todavia, não nos é fornecido quaisquer informações a respeito do que outrora aconteceu para que tudo terminasse nesse caos sanguinário e vingativo.

Mas no meio, quanto a realidade de que o monstro seria ela mesma, é que uma teoria se tornou mais forte. O monstro seria a personificação de toda a podridão em seu coração e ações, refletidos em toda a essência corporal no modo como é visto cada situação. Também há um clima de autodepreciação, um sentimento de repulsa por si própria, ocasionada por tudo que se tornou devido as ações errôneas que cometeu.

E talvez esse seja um dos piores monstros internos que há dentro de nós.

Parabéns pela obra e muito obrigada pela participação ♡

Postado 14/11/20 09:43

Fiquei desnorteada com a leitura. Ana do céu, que texto forte. De início eu pensei que realmente teríamos alguém vingativo e sanguinário, que faria justiça por algum ato ou coisa do tipo. Eu acreditei que se tratava de um “justiceiro” e uma vítima. Eu vi dois personagens. Fui tapeada.

Quando percebi o que realmente acontecia, a coisa ficou sinistra. “Como destruir um monstro que mora dentro? ” foi o meu maior pensamento. O reflexo de toda a podridão do mundo era, literalmente, um reflexo.

Meus parabéns, Senhorita Mês!

Postado 02/01/21 21:46

Esse texto me abalou demais. Ele é forte e chocante. Conforme a leitura avançava, um arrepio de choque percorria o meu corpo. É extraordinário o que você fez nessa narrativa... A imersão na trama, nos sentimentos e, principalmente, na realidade dessas palavras é surreal!

Obrigada por compartilhar conosco!

Parabéns, Aninha ♥

Postado 31/05/21 18:17 Editado 01/06/21 23:26

O que fazer quando está lutando com um monstro, mas ele vive dentro de você?

De primeira, eu pensei que a protagonista estivesse torturando o monstro por uma vingança, agindo como uma justiceira. Depois, eu estava mais certa que era isso. E no final, eu obtive razão.

Da mesma forma em que ela é quem machuca, também é quem se fere. Possui nojo de si mesma e sente vontade de punir-se. Desejou dar um final, mesmo que, aos olhos dela, isso custasse sua "não preciosa vida".

A garota lutava contra si e deu um fim a isso. Nunca mais quer ver esse monstro. Vê-lo novamente significa ser uma escória e luta para que não aconteça. Entretanto, o que ela não sabe é ela é mais uma dentre milhões de escórias neste mundo. Viva ou não, sua alma continuará brigando entre deter o lixo do mundo e ser o lixo do mundo.

Tá bom, não leve nada do que eu disse a sério, eu sou doida. Enfim, eu amei sua escrita, me manteve presa por todo o momento e ainda me abriu espaço para esta reflexão.

Obrigada por escrever algo tão emblemático.

Beijos, NíngYì! ❤

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