Duas horas depois do ocorrido com a pobre moça dos sapatinhos fofos, o PhD Manoel Diablerians desceu as escadas da faculdade atordoado, olhou para trás uma última vez antes de abandonar o antro maligno ao qual fazia parte, pôde ver ainda, após a explosão, criaturas viscosas e negras escorrendo pelas paredes, o teto da instituição havia sido arrancado fora - como casca de machucado - por uma das criações mais fortes, que seguiu Meiling para fora do laboratório.
Ele, retentor de todas as ideias infelizes que no começo pareciam promissoras e inovadoras, agora estava tremendo de medo, corria o mais rápido que conseguia em suas botas de plástico brancas, Manoel não sabia exatamente por quê estava com medo, tudo acontecera tão rápido, um piscar de olhos...
Uma injeção ínfima de mercúrio gerou todo o caos. Aonde estavam os erros? Enquanto tropeçava nos degraus ele tentava efetuar os cálculos na cabeça... Probabilidades... Não... Nada! Não conseguia pensar em nada, era desastroso demais, o renomado professor Diablerians cometer um erro destes.
Catástrofe, desgraça.
Quando pôs os pés plastificados no chão de paralelepípedos, notou sinais da criatura... Uma mancha aqui... Outra a dez metros... Como passos. Grandes passos largos.
Correu por toda área, coletando amostras dos passos e recolhendo os papéis que caíram dos braços de Meiling, para que pudesse queimá-los posteriormente, ninguém poderia saber que a culpa foi dele, não... Seria o fim!
Como na historinha João e Maria, o renomado foi seguindo o caminho de lodo e papéis que o levou até o corpo frio de Meiling, que aparentava ter morrido há pelo menos quatro horas, que foi o tempo que ele demorou para sair dos escombros do laboratório que fora destroçado pelas criaturas. O homem não sabia se chorava ou se sentia ódio de si mesmo, era horrível vê-la ali, ainda bela mesmo que morta, partida em dois, como seu coração.
Ele não ousou tocá-la, senão, a visão seria real... Jurou apenas vingança. Iria matar o monstro que causou tudo aquilo, a critura suja, sem alma, sem escrúpulos, destruidora, atômica e condenada que tirara a vida da doce Meiling, a quem ele amava em segredo.
O único a culpar era a si mesmo.
Lembrou-se que a explosão e a catástrofe foram causadas por ínfimos dez milímetros de mercúrio. Pensou enfim, que sua dor se findaria, se ele injetasse em si mesmo, a mesmíssima dose fatal.
Calmamente, evitando olhar para a as não mais existentes pernas de sua amada, ele tirou a seringa do bolso esquerdo de seu jaleco e passou-a para ser segurada por seus dentes, enquanto já ia arregaçando a manga do braço direito, pronto para uma morte lenta e ardente.
Mais a frente, vinha Lúcia, outra PhD da faculdade, com um corte gigantesco no braço, cambaleando, também foi guiada pelo caminho de lodo.
- Doutor, não!!! - ela corria o mais rápido que seus cortes permitiam.
- Lúcia, deixe-me morrer! Veja só a barbaridade que fiz! - ele exclamava seriamente.
- Doutor, não seja estúpido, com o perdão da palavra, se o senhor morrer, como poderemos reverter esta situação maligna? Não pode me deixar sozinha com tudo isto, esta ideia foi nossa, de todos nós! - ela apontou para o pobre cadáver de Meiling.
- Ela não teve culpa, Lúcia, só queria ajudar a criatura. Mercúrio o acalma.
- Ela foi inconsequente, como dar crack a um viciado. Levante-se doutor!
- A crituara estava com medo, minha pobre Meiling queria ajudar!!! - o homem bradou, furioso.
- Senhor... Ela era boa. Diferente de nós, ela se importava com as criaturas, era a única que tinha coragem de chegar perto daquele monstro que criamos, que TODOS nós criamos. - ela deu ênfase - minhas pesquisas recentes, apontavam que o Acrimet tinha consciência. Nossa pesquisa obteve sucesso.
- Acrimet e os outros homúnculos foram vítimas de nossas atrocidades, eu deveria ter ouvido Meiling...
- Doutor, não temos tempo para lamentar. Precisamos reverter. - Lúcia estava calma.
- Deixe-me morrer. Com sorte, restará algum mercúrio para coroar suas veias, querida Lúcia... - Manoel deitou-se ao lado de sua amada Meiling, pronto para a dose final de dor.
Lúcia, encharcada de sangue, desferiu um soco no nariz do homem que urrou de dor, soltando a seringa, ela por sua vez, pisou em cima do conteúdo, tirando as esperanças do homem de findar sua dor.
- Pare com isso... Vamos! O mundo depende de nós, agora! - mancando, a mulher fez sinal para que ele a seguisse.
Lúcia arrebentou a porta de uma van que estava estacionada a uns metros, fez ligação direta e os faróis iluminaram o vivo e a morta.
- Traga o corpo! Não podemos deixar ela assim... - ela gritou, businando.
Uma luz sinistra brilhou nos olhos do homem, graças ao universo, Lúcia era uma boa parceira de laboratório e sempre o fazia voltar a si.
Lúcia correu rapidamente para o lado do homem, ajudando-o a tirar os restos de Meiling do meio da rua, colocaram-na getilmente em um dos bancos da van, Manoel beijou sua testa e cobriu seu corpo com um cobertor que por sorte, se encontrava no banco de trás.
Os dois cientistas foram para o banco da frente e aceleraram a van que riscou o chão e partiu rumo a salvação.
- Já sabe o que fazer doutor? - Lúcia sorriu, conhecendo bem a mente genial do homem.
- Sempre sei o que fazer, cara Lúcia. Agradeço pela ajuda. Agora... Pise fundo nesse acelerador, vamos até o Aquárium!
- O Aquárium?! - Lúcia apavorou-se - M-m-mas me recuso a falar com Yvi, ela me dá calafrios - Lúcia tremeu.
- Ela é a única que pode nos ajudar agora, e se ela se recusar... Sofrerá as consequências!
Um ar tenebroso espalhou-se na van, após esta frase ser dita.
- Confio em sua genialidade, doutor, mas não confio nela.
- Yvi é tão culpada quanto nós. Se ela se recusar a colaborar, irá pagar.
Lúcia bateu palmas e iluminou-se.
- Adoraria vê-la pagar, principalmente pelo que fez a mim.
- Querida parceira, assuntos pessoais não devem se misturar com trabalho. - eles já avistavam o topo do Aquárium, que para grande surpresa, já estava completamente destruído com poças de lodo por sobre o teto, parcialmente incendiado.
Os cientistas se entre olharam profundamente, com um sentimento de impotência mixado com terror, mas a mente certeira de Manoel, não poderia se deixar abalar, não depois do que acontecera, ele olhou para o branco de trás, aonde sua Meiling repousava eternamente.
- Por Meiling! - ele bradou.
- Por todos nós! - Lúcia respondeu.
E se foram em direção ao Aquarium.