CENA ÚNICA: INT. BANHEIRO DO QUARTO – NOITE.
Uma mulher estava de frente ao espelho do banheiro encarando seu reflexo que chorava. Em sua mão direita se encontrava um frasco com vários comprimidos, enquanto seu pulso esquerdo escorria sangue dos cortes existentes; há um estilete ensanguentado na borda da pia.
REFLEXO: Por favor, eu ainda não estou pronta pra morrer...
MULHER: Eu não consigo mais suportar essa dor, é sufocante todas as vezes que tenho que guardar as palavras em mim. Ninguém vai reparar se eu sumir. Eu fui desaparecendo aos poucos e ninguém se importou, por que notariam agora? Ninguém vai ligar ou sentir minha falta...
A mulher chorava silenciosamente, enquanto ainda encarava seu reflexo desesperado.
REFLEXO: Ainda temos uma a outra. Por favor, você é necessária. Eu sei que a vida foi cruel com você, conosco, mas ainda podemos remendar as partes quebradas dentro de nós. Por favor, nos dê mais uma chance, nós vamos conseguir.
A mulher sorri de maneira triste.
MULHER: Ainda sinto o toque de suas mãos. Se eu fechar os olhos consigo sentir suas mãos em meu corpo, tocando-me em todas as partes. Se passaram anos, então por que ainda é tão real? Sinto nojo toda vez que olho meu corpo, como eu posso viver assim? Constantemente me sinto suja e com medo, e não importa o quanto eu esfregue, não consigo afastar essas sensações, não consigo afastá-lo de mim...
Ela se debruça na pia, enquanto fecha os olhos e grita agoniada. O reflexo no espelho continua chorando, enquanto coloca a palma da mão para frente.
REFLEXO: Não é fácil carregar as nossas histórias, os nossos traumas e todos os sentimentos que reprimimos. Mas a vida ainda é cheia de luz, então por favor, se perdoe, nos perdoe, nunca foi e nunca será nossa culpa; éramos apenas criança, não havia como identificar toda a maldade desse mundo.
A mulher levanta a cabeça, encarando novamente o seu reflexo.
MULHER: Eles não acreditaram nas primeiras vezes, ele me disse que não acreditariam porque ninguém se importava comigo. E ninguém acreditou, ninguém se importou. Eu só quero fazer essa dor acabar, eu só quero que essa dor termine.
A mulher coloca as duas mãos em frente a boca, enquanto tenta segurar os soluços.
REFLEXO: Sim, eles não acreditaram em nós nas primeiras vezes, gerando um trauma e uma introspecção enorme; ele havia vencido. Mas lembre das boas coisas que aconteceram conosco. Nós conseguimos criar a nossa própria biblioteca como queríamos, é pequena, mas é um começo. Fizemos amigos que mesmo distante estavam sempre pertos. E fizemos planos para o futuro. Se lembra? Lembra quando você estava mal e todo mundo veio te ver? Você é amada e necessária, por favor, não coloque um ponto final em tudo.
MULHER: Eu não consigo expressar em palavras tudo que eu deveria. Criei uma máscara para que ninguém percebesse o caos que estava no meu interior. Só que agora eu estou tão quebrada. Não consigo reerguer os muros que criei. Eu não consigo me reencontrar novamente.
REFLEXO: Nós carregamos dores inimagináveis dentro de nós, não é mesmo? Mas a vida não é cruel o tempo todo, não deixe que a depressão e a ansiedade nos façam acreditar que não merecemos estar vivas, que não merecemos ser amadas. Você merece se dar uma chance, de se apaixonar por você mesmo. Olhe pra mim.
O reflexo sorria, enquanto as lágrimas ainda persistiam em cair, colocando a mão para frente. A mulher descansa a testa no espelho, colocando sua mão por cima da outra, como se estivesse tocando seu reflexo.
REFLEXO: Você merece amar a sua voz, amar cada parte do seu corpo. Você merece se amar, com todas as dores, traumas e receios. Nós ainda somos humanas, e isso nunca vai parar por completo. Haverá dias como hoje que se tornam insuportáveis, mas lembre-se que está tudo bem não ser forte o tempo todo, que está tudo bem parar para respirar. Olha onde conseguimos chegar? Nós somos tão fortes!
O reflexo agora sorria calorosamente.
REFLEXO: Você continua aqui apesar de todas as dores sentidas. Nós iremos nos curar e tudo ficará bem. Nós vamos ficar bem.
MULHER: Eu não estou pronta para morrer, ainda não...
REFLEXO: E não vamos. Haverá um dia que você olhará para trás com orgulho no rosto por ter vencido essa guerra, por ter se tornando alguém tão forte apesar de todas as dores. Vai chegar um dia que você irá se dar conta do quão maravilhosa você é, e quando esse dia chegar, irá entender que o mundo é pequeno para a grandiosidade dos seus sonhos.
A mulher abre a boca para responder, porém a porta do banheiro é aberta de forma abrupta, enquanto um homem entra desesperado vasculhando cada canto até centralizar a visão na mulher. Ele corre em sua direção, abraçando-a fortemente.
HOMEM: Céus, graças a Deus. Eu te peguei, eu te peguei...
O homem continuou sussurrando, enquanto caia de joelhos levando a mulher junto consigo, ainda abraçando-a forte.
HOMEM: Você é a estrela mais brilhante de toda a minha constelação, e nunca, nunca mesmo, se tornará um erro cósmico. Você não está sozinha nesse mundo, então por favor, me deixe carregar um pouco da sua dor...
MULHER: Por favor, me puxe para fora do desastre.
As luzes vão se apagando até tudo ficar escuro.