Todas as crianças sentiam pânico quando chegava a época de arrancar dentes, pois era visita certa a dona Genoveva.
Dona Genoveva era uma senhora de meia-idade, cabelos grisalhos, que se tornara dentista da pequena vila após a morte do marido.
Enquanto o finado senhor Robert, era bondade, carinho e cuidado, dona Genoveva era um caminhão.
Se o dente desse trabalho, arrancava na marra com o bom e velho boticão, com toda força, sem anestesia e sem dor no coração.
Dona Genoveva parecia ter um prazer especial ao ver os pequenos gritarem, os gritos lhe davam calma e até um certo prazer... Quanto mais o pirralho gritasse e esperneasse mais calma e paciente ela ficava e mais medo dava ver o seu olhar maldoso e tranquilo.
Mas um dia o pequeno Timothy chegou no consultório, era valente e destemido e de cara dona Genoveva não gostou dele.
O garoto entrou na sala rindo, ela o olhou, um olhar cheio de ódio... Por quê raios o pirralho não tinha medo?! Será que não conhecia suas histórias?!
Com olhar gélido ameaçou:
_Queridinho, vou tirar o seu dente com este boticão - pegou o maior e mais enferrujado que tinha - será sem anestesia, acabou, sabe?
E o Timothy, totalmente tranquilo:
_Sem problema, dona Genoveva, não sou de sentir muita dor, sabe...
_Mas sabe, é um dente do fundo, geralmente acaba rasgando o canto de sua boca quando eu puxo firme, olha e vai sair sangue, muito sangue, tem homens feitos que desmaiam com o sangue, é terrível...
_ Não se preocupe, dona Genoveva, eu ajudo meu pai com o parto das vacas na fazenda, não tenho medo de sangue.
"Moleque infeliz! Maldito! Vem dar uma de valente prá cima de mim?! Você vai sofrer desgraçado..." - pensava dona Genoveva rangendo os dentes de ódio.
E ela foi com tanta violência e tanto ódio que acertou um nervo do Timothy ao extrair o dente e o pobre além de um terrível sangramento, acabou ficando com a cara torta!
Timothy teve de ser carregado para casa, pelo empregado da fazenda, estava extremamente pálido, quase a desmaiar.
_Olha, esse garoto é valente - falou dona Genoveva ao empregado - mas esse dente dele, nunca vi algo tão terrível de tirar, viu?! - mentiu a infeliz.
Quando chegou na fazenda os irmãos logo perceberam que o rosto de Timothy estava estranho, mas como estava bem inchado, acharam que ligo voltaria ao normal.
No outro dia estava pavoroso, torto e cheio de hematomas. O garoto tão fraco, ficou três dias de cama...
O pai de Timothy era muito pacato e encarou como uma fatalidade, o estado do pequeno, nem imaginou que fosse resultado da crueldade de dona Genoveva...
Mas Timothy teve que ir para a escola, de cara torta e roxa pois eram as provas finais e o professor viajaria naquela mesma noite.
Os outros garotos foram cruéis, gritavam e dançavam em torno do pobre garoto na volta para casa:
"Timothy da cara torta, cara roxa como repolho da horta!".
Timothy aguentou firme, não ia chorar, não daria a eles esse gostinho...
Chegou em casa ardendo em febre, tentaram por todas as formas fazer baixar, o menino delirava...
O irmão mais velho foi de cavalo até a vila, e chegou com o médico já muito tarde.
O médico examinou e ao ver a boca, grande infecção se instalara no local da extração dentária!
Lutou com todas as suas armas, mas não tinham muitos recursos ali na vila.
Depois de dois dias Timothy faleceu, por volta das nove horas da noite.
Nesse horário dona Genoveva estava tranquilamente tomando um banho em sua banheira, quando ouviu ao longe uma canção em voz infantil:
"Timothy da cara torta, cara roxa como repolho da horta!".
Ela não ligou, só achou a música bem estranha.
Entretanto o som ia aumentando de intensidade e ficando cada vez mais alto, um frio lhe percorreu a espinha!
Levantou rápido da banheira e se enrolou na toalha.
A música cada vez mais alta e mais perto...
Dona Genoveva tentou se acalmar, era cansaço, com certeza, foi até a penteadeira e se sentou, ia passar um creme no rosto. Abriu a gaveta, pegou o pote, abriu e pegou um pouco com dois dedos.
Quando se olhou no espelho soltou um grito de horror, derrubando o pote no chão.
Atrás dela, no ar, estava o enorme boticão!
Ia se levantar, nas começou a ser golpeada por todo lado, tentou sair da cadeira, foi derrubada no chão e a música agora, era bem baixinha, cantada ao pé do ouvido, podia sentir o bafo:
"Timothy da cara torta, cara roxa como repolho da horta!".
Levou vários golpes na boca, conseguiu se apoiar na penteadeira e se pôs de pé, olhou no espelho e viu o garoto do outro dia!
Gritou enlouquecida:
_Você!!!
Levou um golpe sobre o olho esquerdo. Uma força descomunal a prendia em frente ao espelho e o sangue jorrava do olho perfurado.
Com o sangue de Genoveva foi escrito no grande espelho:
"Timothy da cara torta, cara roxa como repolho da horta!".
E quando ela acabou de ler, levou o golpe fatal, morreu sentindo o calor e ouvindo as vozes dos demônios que a recebiam no inferno.
O boticão foi colocado na mão da mulher morta, uma luz brilhou e uma doce voz falou:
_Terminou?
_ Sim senhor, essa malvada nunca mais aterrorizará ninguém!
_Então vamos! O purgatório o aguarda...
No outro dia a criada, que tinha ido visitar o pai em outra cidade chegou e como tudo estivesse fechado e já era tarde, pediu a ajuda de um homem para arrombar a porta. Teria a patroa passado mal?
O cheiro de sangue estava no ar, o homem mandou que a criada esperasse e subiu até o quarto, viu a terrível cena!
_Rápido, vá atrás do xerife e do médico, é urgente!
A criada saiu atordoada...
No outro dia, só se ouvia na boca do povo que dona Genoveva enlouquecera e se matara com o boticão. Ninguém entendia a mensagem no espelho...
Mas logo que as crianças ficaram sabendo entenderam, a velha causara a morte do Timothy e ele se vingara dela, era isso, com certeza.
Os adultos repreendiam, mas as crianças bem sabiam que aquilo fora obra do...
"Timothy da cara torta, cara roxa como repolho da horta!".