- Vai, vamos lá, você prometeu que iriamos brincar.
- Tudo bem, mas na próxima vez que meus amigos forem em casa você tem que prometer que não vai atrapalhar a gente.
- Começa a contar logo. Dessa vez você não vai me achar tão fácil - Disse o pequeno garoto que corria depressa para longe de seu irmão, explorando as ruínas da abandona indústria, um lugar imundo e perigoso servindo como um parque de diversões particular.
- Um, dois, três, quatro, cinco... - O irmão mais velho parava de contar conforme ouvia passos reverberarem mais baixo através dos corredores. – Espero que este esconderijo seja bom o suficiente para não perceber que dei uma fugidinha – Falou para si mesmo, enquanto puxava o celular e se dirigia para a saída.
A tela brilhava com notificações de seus amigos o chamando para ir até uma cafeteria próxima, apenas duas quadras distante do galpão. O jovem apertou o passo para cegar logo ao local de encontro, não desejando que seu irmão descobrisse sua fuga tão cedo.
- Já corri o suficiente para longe dele, agora é só achar onde esconder – O garoto encarava as enormes máquinas enferrujadas escolhendo com felicidade qual serviria como bom esconderijo. Um forte odor de álcool exalava seguido de um som aterrador que chamou atenção da criança. Ao se virar se deparou a poucos metros com um grande homem coberto de trapos encardidos.
- Eu posso te ajudar a achar um esconderijo – Disse com uma voz rouca, seus passos pesados, um atrás do outro caminhando em direção do menino.
Os amigos já esperavam pelo jovem, iniciando uma conversa assim que ele senta junto a mesa. O tempo passa sem perceber com a companhia.
- Próximo encontro tem que ser na sua casa, a gente precisa jogar juntos – Exclamou um colega em voz alta.
- Verdade, a gente pode marcar para o próximo final de semana - Respondeu o jovem com uma voz simpática e calma.
- Ótimo, já estou com saudades do seu irmãozinho também – Acrescentou uma garota do grupo.
O jovem gelou com um calafrio que ecoou por todo seu corpo.
- Merda, eu esqueci completamente dele. A gente se fala depois, preciso voltar para fábrica - Ele largou os colegas para trás correndo para fora da cafeteria. As duas quadras pareciam infinitas a cada passo dado, respirando ofegante para chegar o quanto antes. Os postes se acendiam ao pouco, trilhando o caminho até a entrada. Com um movimento automático ele passa pelo buraco na cerca, encarando todos os lados em busca do irmão.
- Ei, já está bem tarde para brincar, seu esconderijo é realmente muito difícil de encontrar, você ganhou - Disse tentando recuperar o fôlego. Os corredores ficavam cada vez mais macabros com o pôr do sol, transformando as sombras dos maquinários em monstros enormes. - Assumo a minha derrota, pode esfregar na minha cara, sai logo, por favor.
O medo do castigo que poderia cair sobre ele se seus pais descobrissem que deixou o irmão caçula sozinho era o que mais assustava o jovem. Voltando a respirar profundamente, mas ainda com o coração disparado o adolescente adentra um grande salão imaginando ter ouvido seu irmão. Seu corpo logo paralisa com seu cérebro tentando raciocinar o que se passava ali: aquele ser corpulento prendendo seu frágil e pequeno irmão embaixo de toda aquela sujeira grotesca, fazendo movimentos que a sua mente sequer conseguia representar sem sentir as pernas bambas. Da sua visão ele apenas enxergava seus pés descalços e as costas daquela criatura sedenta, até conseguir ver a face do pequeno por uma brecha abaixo do braço que não parava de se mover. Foi impossível não desabar ao ver a quantia de sangue que escorria sem parar para fora, a enorme fratura aberta e todos aqueles sons perturbadores. Tudo veio a fora em seguida, se misturando ao sangue e a poeira.