Primeiro, veio a dor no peito na calada da noite. A dor chegou como um ladrão e se expandiu por todo o meu corpo, sendo capaz de sufocar meus gritos de agonia.
Então, quando abri meus olhos, me vi em um lugar escuro. Não tinha paredes, nem teto, todavia tinha um solo para que eu pudesse me manter de pé.
Não era frio, nem quente, nem úmido, nem seco. Não tinha cheiro e nem som. Era um completo nada.
"Olá?" gritei. Minha voz ressoou por todo o lugar, mas não obtive resposta.
"Tem alguém ai?" insisti, com a voz trêmula.
Nada.
Caminhei um pouco, certo de que tudo aquilo não passava de um sonho. De repente, uma pequena silhueta surgiu ao longe.
Conforme eu me aproximava do pequeno ser, o que pareciam ser as paredes daquele vazio começaram a se modificar, se transformando em paredes brancas com cheiro de mofo e teias de aranha. O cheiro era tão forte que minhas narinas começaram a arder, meu olhos lacrimejavam e minhas mãos suavam frio.
A pequena silhueta permaneceu parada naquele mesmo lugar enquanto tudo ao nosso redor se transformava numa velocidade constante, a cada transformação meu coração palpitava mais e mais rápido como se cada célula do meu ser estivesse me alertando de um futuro perigo.
O solo se transformava em um piso de concreto, as paredes se estendiam até formar uma espécie de quarto sem janelas e de teto com forro de amianto.
A pequena silhueta estava parada diante da porta de madeira podre, cujo odor era tão forte quanto o do mofo. A silhueta era uma criança, um menino de pele escura, cabelos crespos e camiseta rasgada com fortes manchas carmesim nos buracos da camiseta.
Meu coração bateu mais forte ao reconhecer a criança. Não demorou muito para reconhecê-lo, afinal, ele tinha a minha marca em seu rosto.
A criança não tinha olhos.
Pequenas aranhas entravam nos buracos, formigas saíam e moscas se afogavam com tanto sangue que saía daquelas órbitas profundas e aterrorizantes.
Quis gritar, mas senti algo tapar minha boca. Fiquei mais eufórico, pois não tinha mais ninguém conosco. Quem estava me impedindo de gritar?
Tentei correr, meus braços e pernas não se mexiam. Quem estava me prendendo?
Não havia cordas ou correntes ao redor do meu corpo.
Meus olhos não desviavam daquela criança em decomposição, algo manipulava meus olhos para que eu não os desviasse daquela visão horrenda.
Comecei a sentir mãos me tocando em diversas partes do meu corpo contra a minha vontade. Eu só queria gritar.
Não me restava opções, então, comecei a chorar de desespero e arrependimento.
Pedir desculpas à criança não bastaria.
A criança sorria, satisfeita, ao ver meu corpo e minha mente sofrendo o que ela sofreu.
"Você não imaginava que eu seria o caçador, não é?" disse a criança, em um tom de deboche enquanto aranhas entravam na minha boca e me consumiam por dentro.