Na Rua Esquerda, à direita, existe um prédio que fora construído nos anos 40; paredes em amarelo desbotado, rachaduras, tijolos expostos e pó de cimento que voa com o vento sempre que passa por ali uma brisa.
Fica na parede aquele anúncio emporcalhado de NÃO CUSPA NO GRAMADO, mas sendo ignorado, cada beberrão do bar da esquina sempre que volta as duas da matina, deixa ali sua marca com pigarro.
É um cenário numa rua deserta em São Paulo...
Lá em cima, quase rasgando o céu, fica o apartamento da dona Ofélia.
Bochechas rubras assim como o nariz e a pele em volta, um sorriso de dentadura amarelada que ao invés de dentes, parecem pérolas envelhecidas que sorriem numa linha reta. Tem olhos sem brilho ali, tem marcas de sorriso sim, sorriso forçado, daqueles que se esbanja quando se vê um parente que não quer cumprimentar na rua.
No apartamento de número 101, Ofélia mora com sete gatos carrapatentos, dois periquitos e sua coleção imaculada de revistas da Chanel.
Quando mocinha, dona Ofélia era mimosa, cabelo penteado e vestido de luxo, sapatinho de boneca e blush vermelho no rosto, uma parada e os rapazes assoviavam, era do tipo de parar o trânsito.
E mesmo assim, nunca foi pedida em casamento.
Esperou e esperou, esperou e esperou, procurou, pesquisou chegou até se apaixonar, mas nunca achou um sequer que a amasse de verdade. Ficou solteira a vida toda, nunca beijou ninguém, além de si mesma no reflexo do espelho, nada nunca a tocou além do pelo empoeirado dos seus bichos preguiçosos.
A velha só não conseguia entender, o que nela afastava a todos.
Era alta, corpuda, era bailarina na juventude, tocava piano e era muito inteligente, ia à igreja – nem vai mais, nem sabe mais o que é fé, não sabe mais se existe Deus, nem sabe mesmo se existe vida em si mesma, perdeu a fé em tudo, até no mundo, até no padrão de beleza Chanel -, quando mocinha, ela também cozinhava, costurava, cantava e encantava. Por que será que ela nunca conseguiu ninguém?
Agora com sessenta e oito anos, pesando cinquenta e três quilos e uma saúde de ferro, decidiu mesmo assim que não tinha mais motivos pra viver...