“Olá, meus queridos ouvintes, estamos fazendo esse pronunciamento para lembrá-los que hoje à noite será dado início à purificação anual, onde todo e qualquer crime será permitido durante doze horas contínuas. Os serviços médicos de emergências e delegacias estarão fechados e serão reabertos somente amanhã às sete horas quando a purificação for encerrada. O governo agradece a participação de todos. Que a sorte esteja com vocês.”
Há três anos que o governo decretou o dia do expurgo com intuito de fazer a população sofrer as consequências de uma cidade onde as leis não são aplicadas. A partir desse dia, falsos moralistas aproveitavam essa data para tirarem as máscaras de bons samaritanos e cometerem os crimes mais sórdidos, aproveitando a imunidade cedida para essa noite.
Todavia, dentre todos os crimes cometidos, havia uma que se destacava: vingança.
E era com esse objetivo que Amélia encarava pacientemente a sua vítima acordar. Em sua frente havia uma mesa de pedra onde situava-se um corpo masculino; as mãos amarradas acima da cabeça por uma corda acoplada em uma barra de ferro e os pés amarrados separadamente por cordas fixadas nas laterais da mesa. Ao lado havia uma mesa menor de madeira, onde se encontrava uma bandeja com variados tamanhos de facas, abaixo dela havia uma caixa de sapato fechado com alguns furos na tampa e uma mochila preta.
– Não tem graça nenhuma se você não acordar, sabia? Já se passaram cinco horas desde o início da purificação, tenho apenas sete horas para brincar com você. – A garota disse, enquanto rodeava a mesa e pegava uma faca menor da bandeja – Talvez eu tenha exagerado um pouco na hora de te desacordar. Me perdoe, eu estava um pouco emocionada. Fiquei imaginando como seria poder colocar meu plano em prática, e talvez tenha te acertado muito forte. Perdão.
Amélia sorriu, enquanto conferia o corte de sua faca. Observando a face tranquila do homem a sua frente, ela teve a brilhante ideia de forçá-lo a acordar. Com a faca em mãos, fez um corte profundo – porém nada perigoso – da lateral do abdômen até a outra extremidade, enquanto apreciava o primeiro grito da noite.
– Achei que dormiria para sempre, Bela Adormecida.
– V-você... – o rapaz acordou atordoado enquanto observava o rosto conhecido a sua frente. A dor queimava seu corpo, mas era suportável. – Por quê? O que eu te fiz?
– O que você me fez? Sério?! – Amélia soltou uma gargalhada alta, parando abruptamente antes de se debruçar na mesa para ficar com o rosto perto de sua vítima, ao mesmo tempo que fazia outro corte profundo, dessa vez em seu antebraço. – Você não se lembra, não é? Patético. Isso se tornou tão corriqueiro para vocês, homens, que o comportamento em suas mentes é aceitável.
O homem tentava conter os gritos doloridos, mas sua mente ainda estava turva por recém-acordar, e sua cabeça ainda latejava decorrente do golpe que outrora sofreu. Por fim, percebeu que tanto suas mãos quanto seus pés estavam amarrados, começando a entrar em desespero.
– Shiiu, me deixe refrescar a sua memória – Amélia colocou a ponta da faca na boca do homem, a fim de silenciá-lo. – Era um dia comum, nada de anormal acontecendo, até você aparecer. Flertando sutilmente com a minha metade do ovo, porque convenhamos, metade da laranja é muito clichê e usual – divagou – mas voltando ao relato, você chegou com seu vocabulário culto e sua cordialidade irritante. Acha mesmo que não notei?
Amélia colocou a faca menor de volta à bandeja, apanhando em seguida uma média. Ficou admirando em silêncio seu brilho, enquanto pelo canto dos olhos observava sua vítima olhar de um lado para o outro, em uma vã tentativa de encontrar uma brecha para escapar. Sem delongas, afundou a faca na coxa esquerda, enquanto gritos escandalosos eram proferidos.
– Eu disse para você ficar longe, implorei para que não testasse a minha paciência. Mas parece que todos os avisos foram ignorados, não é? Não pode me culpar. Eu te disse para tirar os olhos do que é meu. Mas é como minha mãe sempre me ensinou, se você não aprende por bem, irá aprender por mal.
Aproveitando que o sangue ainda escorria do corte feito no abdômen, Amélia pegou um pote dentro de sua mochila. Ao abri-la, começou a espalhar pelo corpo alheio os queijos ralados. Sua vítima a encarava confusa, tentando a todo custo se soltar. Ao lado da mesa havia um objeto semelhante a uma tampa, com aberturas em cada extremidade e um furo retangular no topo. Amélia pegou o objeto e colocou em cima do abdômen do homem, onde cada extremidade ficou situada em seu pescoço e quadril.
Ao verificar se o objeto estava bem colocado, a garota pegou a caixa de sapato que estava debaixo da mesa e a abriu, observando com um sorriso sádico o que existia em seu interior: ratos. Amélia colocou a caixa em cima das suas facas, pegando um rato pelo rabo e mostrando a sua vítima, que percebendo o que aconteceria começou a se debater mais ainda.
– Shiiu, querido defunto. Se você se mexer demais irá assustá-los. – a garota se aproximou, jogando o rato em seu abdômen pelo furo, observando o pequeno animal se contrair e correr de uma extremidade a outra, procurando uma saída – Há uma similaridade estranha em vocês, ambos procuram uma saída quando tudo já está fadado ao fracasso. Irônico, não?
Devido a inquietação do homem e o cheiro forte de sangue e queijo, o rato começou a ficar cada vez mais raivoso, começando a desferir mordidas por toda a pele exposta. O homem se contorcia cada vez mais, e os gritos de dor se tornaram mais altos e irritantes, fazendo com que Amélia pegasse uma mordaça em sua mochila e o colocando na boca da sua vítima.
– Apesar de amar ouvir os seus gritos de dor e suas súplicas, isso está se tornando irritante, ainda mais porque nem começamos direito.
Amélia via sua vítima agonizando a cada mordida e com a ardência dos cortes feitos anteriormente, e querendo acabar logo com isso, retirou de sua mochila um speculum, indo em direção ao homem e cortando suas calças, o deixando nu da cintura para baixo. Mesmo sobre os protestos constantes e a tentativa de escapar, Amélia conseguiu soltar as pernas da sua vítima, dobrando-as de forma que os pés continuavam amarrados à mesa enquanto os joelhos estavam apontados para cima.
– Dizem que a vingança envenena a alma para sempre. Eu nunca acreditei nisso, mas acredito que tudo tem volta, e que nada acontece por acaso – Amélia se debruçou em cima do corpo alheio, enquanto enfiava de uma vez o speculum no orifício anal da vítima – Havia um aviso claro e objetivo, mas você resolveu ignorar. Nada mais justo que arcar com as consequências, não?
A garota foi até a caixa de sapato retirando um segundo rato pequeno, colocando-o dentro do speculum e forçando sua entrada na cavidade anal do homem, vendo-o agonizar a cada momento, enquanto o rato sumia de suas vistas.
– Eu não sou uma garota má, Manoel, e como um ato misericordioso não irei mais fazer nada. Você poderá viver se sobreviver nas próximas horas. Mas fique tranquilo, assim que as sirenes anunciarem o fim do expurgo, uma ambulância virá até aqui para socorrê-lo.
A garota sorria sordidamente encarando Manoel. Indo em direção a sua mochila, retirou uma câmera antiga dela, e ao situar-se ante a mesa, tirou algumas fotos de sua vítima.
– É bom guardar algumas lembranças, caso algo aconteça fora do planejado. Não me entenda mal, eu realmente quero que você sobreviva após a nossa pequena sessão de purificação. Mas caso isso não aconteça, nos vemos no inferno, meu bem.
Amélia guardou a câmera novamente em sua mochila, olhando uma última vez à sua vítima antes de ir embora do galpão, com a mente em paz por contribuído com a purificação da sociedade.