Ao que parece, morri.
Sinto meu corpo pesado e frio, quando abri os olhos da alma, estava tudo escuro, e eu ouvi algo batendo contra a escuridão.
Mas que diabos?!
Decidi tentar me levantar, mas a coluna enrijeceu, no entanto, de forma mágica, meus olhos, de uma misteriosa forma, conseguiram se sobre sair, e assim que a claridade do dia, me tocou, percebi uma estranha situação...
Minha cabeça fantasmagórica, atravessou a madeira e repousou por sobre minha nova cama eterna, imaginei-me um porco com uma maçã na boca, admirando os famintos devoradores, que olhavam atônitos para baixo, enquanto eu, curioso, olhava para cima.
Um padre, uma roda de pessoas, todas chorando... Velando, inclinando o pescoço, para saborearem minha derrota.
Morri?
Olhei para os lados, terra, minhocas, raízes, olhei para baixo, um caixão de madeira avermelhada, provavelmente o mais barato, não os culpo, na verdade me fizeram um favor... O que minha avó, meus pais e amigos não sabem no entanto, é que não foi assassinato, de fato, eu implorei.
O homem me trombou há pelo menos... Dois dias antes, eu estava no alto de uma ponte, tentando criar coragem para me ver livre. Qual poderia ser a melhor opção? Mirar na rua ou mirar em um caminhão? O caminhoneiro, afinal, não tinha culpa... Se algum carro me atropelasse, o motorista se sentiria culpado... Se eu caísse no meio da estrada, quebraria as pernas, morte longamente dolorosa, poderia também, causar um acidente.
Minha vida foi um acidente, já fiz pessoas suficientes terem o desprazer de me presenciar permanecer nesta Terra... Já basta de desgosto, minha morte tem de ser pacífica, não quero ser um encosto...
Pendi minha cabeça para trás, deixei com que o vento me lavasse o suor.
Viver é insuportável...
E se um raio me atingisse... Não... Nem sinal de chuva... Deus... Me mande um milagre!
- Boa noite - cumprimentou um homem que passou rapidamente por mim.
Eu não pude responder nada.
Continuei ali na ponte, calculando as possibilidades... Dar fim à minha existência era uma sensação e um desejo cada vez mais constantes; mas o que eu poderia fazer se coragem me faltava? Atolei-me em dívidas, roubei da empresa, daquela maldita empresa que me sugou cada fagulha de vida na alma... E então, fugi e vim para esta cidade aonde ninguém me conhece, aonde eu poderia ser um fantasma enquanto meus dez mil reais roubados durassem... Para me auto destruir em vida, sempre tive coragem, drogas, bebidas, doenças, adrenalina... No entanto, pôr um fim à minha existência perturbada e nojenta é tão difícil...
Notei ao longe, o homem retornando... Filho da uma rapariga! Com certeza me assaltaria. Meu coração bateu no ritmo de seus passos no asfalto, esperei o encontro, suando.
- Vai se matar? - ele perguntou, com voz de quem fuma muito.
- Eu não... - soprei o ár gélido de meus pulmões - Mas e você, vai me matar? - eu dei um sorriso amarelado.
- Se você quiser... - o homem disse naturalmente.
Olhei para ele, confuso, emocionado. Seria o milagre.
- Você... Está falando sério? - eu suspirei, aliviado.
- Eu te vejo aqui... Já é a sétima vez. Todos os dias. - o homem tossiu com catarro.
Ficamos um tempo em silêncio. Até que minha crise de pânico, bateu bem na caixa toráxica. Desabei em lágrimas e tremi como bambu. Meu corpo doeu inteirinho, eu estava cansado, cansado da pobreza, cansado de fugir, cansado de ser um fardo, nunca fui bom em nada, nunca haveria de ser.
- Não chore... Se você quiser, eu te ajudo.
- Eu não quero ajuda! - exclamei enquanto limpava muco que escorria pelo meu nariz - Quero acabar com isso, com toda dor... - mirei meus olhos em dois caminhões gigantes que vinham de encontro ao portal da ponte.
- Se arremessar, talvez não funcione... - ele observou.
- Mas é óbvio que não vai funcionar! Eu sou burro! Burro! Burro! - eu comecei a estapear meu próprio rosto, até que o homem perdeu a paciência e me puxou pelo braço, me agarrou e arrastou até um beco próximo, com um matagal abandonado, decorando o antro.
Eu não soube o que pensar.
Aconteceu tão rápido...
Ele sacou uma arma, abraçou a arma negra com um de suas mãos - ele nem tremia - olhou dentro de meus olhos e eu retribui o olhar. Levemente assenti, dei uma boa olhada nele... Suas roupas estavam rasgadas, as calças pareciam ser apertadas demais, os sapatos roídos de tanto andar, a camisa cheia de rasgos... Um mendigo? Eu morria pelas mãos de um mendigo?
Não... Talvez ele não fosse um mendigo, afinal, anjos aparecem nas formas mais singelas. E eu, seria eternamente grato.
- Você... Quer falar alguma coisa? Orar... Não sei... - ele aconselhou.
- C-c-como assim? - eu mal o enxergava agora, minha visão estava turva por causa do sal das lágrimas.
- Quando vamos conhecer a morte, precisamos estar calmos. Eu não quero você me assombrando.
- Você quer saber meu nome? - perguntei.
- Você faz questão em contar? - ele respondeu, indagando.
Fiz que não com a cabeça.
- E-e-eu tenho dez mil reais em dinheiro vivo... N-n-aquela bolsa que eu deixei na ponte. - apontei em direção.
- O quê...? - o homem abaixou a arma.
- Agradeço por sua misericórdia. Seu presente me será a liberdade. Você é um anjo... - eu beijei o rosto do homem, que pareceu flutuar.
- Anjo...? - ele sussurrou.
Fiz que sim com a cabeça, enquanto uma lágrima escorreu.
- A-N-J-O! - eu sorri.
- Agradeço pelo dinheiro, vai ajudar muito minha família...
- É assim que vai terminar a minha vida, vou ajudar alguém! - meu coração deu sua última e talvez única batida de alívio em todos os meus anos.
- Sinto muito... Te desejo uma boa passagem! - ele disse, sem sorrir.
Olhamos uma última vez, um nos olhos do outro. Olhos marrons - ele tinha olhos marrons e cansados, cheios de ruga. Imaginei o que ele diria para a família quando aparecesse com o dinheiro. Comprariam comida? Uma bicicleta? Reformariam a casinha...?
Por um segundo, eu quis viver para ver acontecer.
Fiquei feliz.
Puramente feliz.
O homem disparou, um estalo uníssono ecoou em minha cabeça que se esbagaçou em mil pedaços. Antes de me esvair, pude vê-lo chorar e chorar, em cima de meu corpo. Ele cobriu minha cabeça com o casaco que eu levava amarrado na cintura... E então, tudo escureceu.
Finalmente, começaram a jogar terra sobre o caixão. Flutuei para fora do buraco, sem saber o que procurar.
Olhei bem no rosto de cada um dos presentes. Surpreendentemente, eles realmente choravam. Meus colegas do maldito emprego, estavam ali. Até mesmo o corno do meu patrão estava... Minha mãe estava séria. Não chorava, não se mechia, como se a cabeça dela, quisesse ir para outro lugar.
- Vamos embora, não quero mais ficar aqui. - disse meu pai, levando minha mãe pelos ombros, para longe de minha visão.
Notei então, em um canto afastado do cemitério, meu anjo, com roupas apresentáveis... Meu salvador... Foi rápido, nem doeu... Ele foi talentoso... Sei que me matou por misericórdia, graças aos céus, nossos crimes, salvaram um ao outro.