O sabor tão conhecido preenchia o paladar da jovem, todavia ele parecia ainda mais amargo naquele dia. Mesmo que a temperatura do líquido estivesse quente, a menina sentia um frio preencher seu corpo. Os olhos verdes percorriam o ambiente onde a garota já estivera tantas vezes, mas agora parecia um lugar diferente. As vozes embargadas mantinham o ritmo da conversa, a jovem não precisava olhar para as pessoas, ela sabia que as lágrimas estavam em seus olhos, era sempre assim quando a mãe e a garota visitavam o lugar, e embora mais de um ano já houvesse passado desde o ocorrido, todos pareciam presos no passado.
A jovem sentia-se mal por ser a única com os olhos secos e a expressão vazia, mas ela não conseguia chorar e mesmo que a culpa a corroesse, havia vezes que a menina esquecia do ocorrido. Entretanto, quando encontrava outras pessoas – aquelas que a jovem não via há tempos – e elas perguntavam sobre seu irmão, a garota engasgava nas próprias palavras, sem conseguir pronunciar as duas palavras tão dolorosas, “ele morreu”, o sabor dessas palavras era tão amargo quanto o do café que a jovem bebia naquele momento.
As vezes a garota sentia-se ignorada, suas conquistas eram deixadas de lado, o único assunto era sobre ele, não importava se a menina tinha escrito um texto incrível, ganhado um concurso de desenho ou tirado nota máxima em todas as disciplinas da faculdade, as pessoa não queriam saber disso, elas só queriam saber de falar do passado, de relembrar memorias que já não eram tão nítidas para a garota. Contudo, nada disso machucava tanto quando o fato das comparações feitas pela mãe, a jovem entendia que a sua progenitora estava triste, afinal nenhuma mãe deveria perder sua criança, mas isso não significava que as frases ditas por ela não machucassem.
A cada “ele era mais carinhoso”, “você deveria me amar mais, sinto falta disso”, “ele fazia isso por mim o tempo todo”, “você passa o dia estudando, tem que sair de casa”, “vamos para algum lugar? Ele sempre saia comigo”, uma nova rachadura surgia no peito já tão rachado “eu não sou ele”, era tudo o que a jovem pensava.
A verdade é que a vida não acaba após o último suspiro, pois enquanto aqueles que amam a pessoa que partiu ainda estiverem vivos, ela viverá nas memorias e nas frases ditas por essas pessoas. O último suspiro marca apenas o fim da respiração, as memorias continuam, assim como o amor, todavia, a cada nova comparação, a cada nova conquista ignorada, mais amargo o amor da jovem por ele se tornava. A garota nunca poderia odiá-lo, nunca poderia odiar a mãe, ela entendia tudo o que se passava, mas isso não impedia o peito da jovem de doer, ou os pensamentos indesejados de aparecerem. A jovem desejava constantemente ter ido no lugar dele, afinal ele era melhor que ela, era melhor filho, melhor pessoa, melhor amigo, melhor tudo, ela era o que sobrou, uma versão errada e pior dele.
Quando deixaram o lugar onde por seis anos ele trabalhou, a jovem sentiu os ombros mais leves, ela sorriu – o sorriso falso que sempre mostrava para a mãe nesses momentos – e enquanto caminhavam de volta à casa, a garota disse “vamos tomar sorvete”, a menina permaneceu em silêncio o resto do trajeto, essa era outra diferença, ele tinha muito à falar, ela tinha pouco à dizer.
Assim que a jovem entrou em casa, seguiu direto ao quarto, e quando seu corpo caiu na cama, sua visão embaçou. Não haviam lágrimas, apenas uma culpa enorme por não conseguir chorar, em momentos assim, a garota desejava que o ultimo suspiro tivesse sido dado por ela e não por ele, pois ela sabia que o irmão choraria por ela da forma como ela não conseguia chorar por ele.