A morte do velho Berrycloth comoveu até as regiões vizinhas, poucos dias depois a família passou a ser desmembrada, a cada semana que se passava um membro da família Berrycloth desaparecia misteriosamente junto com algumas peças valiosas da grande mansão, deixando toda a cidade em estado de alerta. Uma bela manhã de domingo fez com que o destemido Harold fosse até o velho Smith, o sábio coveiro da cidade; todos ali temiam o homem, diziam que não se podia confiar em alguém que trabalhava com mortos.
– Bom dia, senhor Smith – disse após andar bons minutos a procura do homem, o encontrando fumando um cigarro de palha ao lado de uma cova semiaberta.
– Com seus familiares desaparecendo um após o outro, não deveria andar sozinho por aí, garoto.
– Não temo o desaparecimento, na verdade, é sobre isso que gostaria de conversar com o senhor. Minha tia, Elizabeth, desapareceu há alguns dias, antes disso estava ficando completamente louca, disse que meu avô viria buscá-la. Achamos que ela enlouqueceu com os desaparecimentos e fugiu com o medo nas costas – disse o jovem menino se encostando em uma lápide velha. – Acha que os mortos voltam para buscar pessoas?
– Nunca vi nenhum levantar da tumba – respondeu ranzinza e voltou a cavar o buraco.
Curioso como sempre, o jovem fingiu ir embora e se escondeu atrás de uma das grandes lápides até o anoitecer, se haveria algum fantasma, o pegaria naquela noite. O cemitério era um tanto quanto assombroso, na escuridão, não conseguia dizer o que era estátua ou o que era real. Ficou em silencio até ouvir passos se aproximando do túmulo de seu avô, espiou por entre as tumbas e encarou o velho Smith parado com a pá em mãos, mas o que o chocou foi ver a figura de seu avô ao lado do coveiro.
– Eu disse que seria mais fácil pagar os cem anos! – disse Smith entregando a pá para o outro homem.
– Um homem morto não tem preço! Eles irão pagar pelo que fizeram comigo, um por um! – respondeu com raiva em sua voz. – Deveria até me agradecer, estou lhe pagando dez vezes mais do que o necessário!
Berrycloth passou a cavar seu próprio túmulo, enquanto isso, Harold pôde ver que havia um corpo perto dos pés dos dois homens, mas não era apenas um corpo, era sua tia Elizabeth pálida e mórbida, deitada entre a névoa densa do cemitério.
– Tome cuidado, essa daí foi a que ajudou a tramar tudo! Vamos, pegue todas as joias e a deixe sem nada, que apodreça na escuridão como fez comigo! – disse Berrycloth.
– Velho, descanse! Já pagou sua dívida! – disse o coveiro.
Harold encostou sua cabeça na lápide e sentiu seu coração saltar rapidamente no peito. Estava tendo uma ilusão? Sempre fora cético, nunca acreditou na ideia de que os mortos poderiam levantar das tumbas em busca de vingança.
Procurou respirar mais tranquilamente, sentindo o ar gelado invadir seus pulmões junto com um estranho odor de podridão. Abriu os olhos com a adrenalina correndo por todo seu corpo e viu que estava face a face com o cadáver de seu avô, toda sua realidade cética desapareceu, a morte estava ali personificada e ele sabia o que ela queria.
– Achou que poderia escapar! – disse o velho pegando-o pelo colarinho e o levando até o túmulo, onde fora jogado com brutalidade. Smith o prendeu com cordas em seus braços e pernas enquanto Berrycloth colocava todas as joias que tinha na boca do garoto. – Morra afogado em toda a ganância que lhe ajudou a me envenenar!
Vendo com dificuldade através dos olhos marejados, ele observou os vultos dos homens começarem a enterrá-lo junto de sua tia. A terra lhe cobria mas não trazia a sensação de calor, muito pelo contrário, estava congelando. Afogou-se com o próprio vômito, que consumiu-lhe os pulmões e fez com que ele queimasse até seu fim, morto pela ganância que o levou a conspirar com sua família e a matar seu avô.
– Eu disse, Caronte, não há fortuna que pague a vingança.