Olhou em volta e não viu nada, até onde conseguiu enxergar, em qualquer direção a linha do horizonte era contínua. Seguiu os instintos primitivos, um passo para frente, um para trás, testou a resistência do chão, deu uns pulinhos tímidos. O espaço físico existe, concluiu, encarou o céu, ou a coisa que deveria estar no lugar de um céu, sentiu uma tontura e sentou. A temperatura era amena, buscou sua sombra sem sucesso. Tentou resgatar a última memória, lembrou de vozes sem contexto e algumas formas que não conseguiu identificar. Era a expressão máxima da abstração, um elemento isolado, um corpo solitário em um ambiente estranho. Quis sentir medo, uma reação natural que confirmasse a existência de uma entidade malévola, uma saída que não encontrou. Levantou-se e começou a caminhar em linha reta, tinha o espírito otimista. E ao pó retornaremos, disse em voz alta ao iniciar sua jornada.
Após algum tempo decidiu parar para descansar, trocou o exercício monótono pela observação tediosa. Se sentisse fome ou sede seria seu fim, o pensamento mórbido era quase palpável. Deitou o corpo na superfície do nada e fechou os olhos. Finalmente foi capaz de distinguir formas e sons, suas mãos estavam cobertas de sangue e ao seu lado centenas de outros corriam apressados, subiam escadas e escalavam janelas, em um altar suspenso por grossas correntes viu o alvo de tudo aquilo: uma coroa, um senso de dever possuiu seu corpo, devia conseguir a coroa. Entorpecido pela adrenalina, despertou e acostumou a vista com o nada. Nenhuma recompensa lhe esperava, aos poucos, como o vento varre os grãos de areia, perdeu a lembrança daqueles eventos.
De forma natural, perdeu a capacidade de fazer conexões lógicas, construções conceituais intrínsecas ao poder da mente, sua realidade se tornou o nada.