A Colecionadora
6 de Janeiro
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 07/10/20 15:31
Editado: 07/10/20 15:35
Avaliação: 9.27
Tempo de Leitura: 8min a 10min
Apreciadores: 3
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Palavras: 1296
Não recomendado para menores de dezoito anos
Notas de Cabeçalho

Olá, olá.

Venho à esta Academia Acabada para compartilhar mais uma das incríveis aventuras que eu, senhor Assalto-Pesadelo, tive durante meus dias de existência... Já pensaram se obras de arte, viessem à vida? E se elas resolvessem se revoltar?

Seria mesmo uma delícia!

Eu lhes apresento, uma das criaturas mais nojentas que já conheci na Terra, A Colecionadora.

Capítulo Único A Colecionadora

Eu a visitei em sonhos naquela noite... Ela era uma daquelas mulheres que pintam o cabelo de grisalho, para se parecerem com aquelas mulheres ricas de meia idade que não ligam para padrões de beleza... Magra, com um bronzeamento impecável, sua casa tinha uma decoração inspirada no México dos anos 50, não que ela se importasse com o México dos anos 50, pois no mundo dela, a única coisa conveniente eram os filmes, as obras de arte, as músicas... E o dinheiro que tudo isso lhe rendia.

Durante sua brilhante vida, cercada de luxos, Suzana se dedicou a cultivar uma incrível coleção - muitas vezes ilegal - de todo tipo de obra de arte que ela achava que fosse valer no mínimo um bilhão de euros dali a trinta anos.

Cinco seguranças bombados e armados, guardavam sua coleção. Quadros, esculturas, jóias, artefatos históricos, até mesmo exemplares de mumificação - um presentinho de vários amantes arqueólogos.

Suzane acordava todos os dias com a sensação de que fazia um peso muito bom na terra, era do tipo esquizofrênico que amava calor, praias e "ajudar" gente pobre - entre aspas, pois apenas ajudava quando havia alguma câmera por perto.

Vocês devem se perguntar se esse tipo de pessoa come ou caga, ou se ela consegue dormir à noite com seu ar condicionado enquanto os seguranças fritam com o mormaço que restou do dia quente e infernal.

Enfim... Aonde eu estava?

Ah sim... Eu a visitei naquela noite, naquela noite específica em que ela abriu uma garrafa de champagne de quase cinquenta anos e saboreou como se realmente fosse uma conhecedora de bebidas e não uma pinguça qualquer.

Ela se deitou em sua banheira, de frente para sua Leda and the Swan de Michelangelo, que para o mundo estava desaparecida, mas para ela, estava bem ali em seu banheiro, como se fosse um quadro qualquer, retendo humidade.

Já a observava fazia um tempo... Ela era uma vítima deliciosa e interessante. Então, naquela noite em que, bêbada ela não se atentou ao meu pedido, eu adentrei.

Sabe, eu nunca adentro um lugar sem ser bem recebido, costumo sussurrar, palavras que chegam com o vento e se vão num piscar de olhos.

"Me deixe entrar..." - pedi com cuidado.

Uhummm

Ela autorizou entre um ronco e um pigarro.

Como uma lagarta, me desprendi da parede, fui escorrendo por aquele papel de parede como puxa-puxa, rodopiando, quicanco, me arrastando até chegar à borda da banheira.

Ohh... Ela estava dormindo, que anjinho... Estiquei-me até adentrar seu ouvidos e me alojar bem ali... Imperceptível e ao mesmo tempo, presente.

"Qual é seu pior pesadelo?" - meu sussurro ecoou por sua alma como som grave de órgão.

Você, você é meu pior pesadelo...

"Eu? Ai de mim! Suzane... O que há com suas mãos? Suzane... O que é isto? É o que eu estou pensando que é...?" - me fiz de assustado.

A mulher acordou na hora, foi água para tudo quanto é lado.

Mas o banheiro, estava diferente, aonde estava todo luxo? O cõmodo agora estava escuro, vazio, abandonado, como a alma da mulher. Aonde estavam os quadros e o champagne?

Um vazio e silêncio aterrerorizantes varreram toda a emoção daquela mansão. Suzane arfava com os olhos esbugalhados, seu coração queria sair pela boca. Como descobriram???

Tentou sair da banheira o mais depressa que pôde, mas algo a mantinha ali presa, como se fosse uma estrela do mar presa no vidro do aquário.

"Só pode ser um sonho...!" - ela desferiu tapinhas leves em seu próprio rosto, mas não... Aquela sensação incômoda em seu próprio corpo não passava nunca... Estava quente demais, depois frio demais, depois pinicava, como quando o botão da calça está bem em cima do seu umbigo, apertando... Algo rangeu dentro dela... E aquele banheiro... Aonde ela estava?

"É só um sonho..." - ela suava frio, mesmo ali nua, naquela água gélida e pastosa.

Aonde estão as obras de arte...? - ela pensou.

Foi então que ouviu um bagulho maciço atingir o piso. Um barulho de algo se rasgando e logo em seguida, coisas se quebrando... Pingando...

"SEGURANÇAAAAAA!!!" - ela berrou, em outras ocasiões meio berro bastava para que os cinco seguranças viessem prontamente e a salvassem de uma barata, uma janela aberta ou uma luz piscando, mas desta vez... Nada.

Quanto mais ela gritava, mais a voz dela parecia desfalecer nos pulmões, estava pesa à banheira, inaudível, como se estivesse em um... Quadro.. Parada, apenas observando.

Quando se deu por conta, vultos se apossaram dos arredores do banheiro, que agora era imundo, foi quando seus cabelos começaram a cair e sua pele começou a perder o brilho, o botox, o bronzeado... E lá estava Suzane, o retrato perfeito da derrota, da velhice, aquilo, dinheiro nenhum poderia desfazer: o tempo.

O tempo a assombrava, vultos e mais vultos frequentavam aquele metro quadrado de banheiro, parando diante dela, rindo, tentando tocar e sendo impedidos por gritos "NÃO TOQUEM NAS OBRAS DE ARTE!!!"

Os ouvidos da mulher estavam sangrando, pois é claro que eu, como um hóspede me senti em casa e sapateei em cada cordão do labirinto auditivo dela... Foi uma festa!

Ela tentava desviar das mãos dos vultos, mas elas transpassavam seu corpo, fazendo-na agitar na água, a pele sangrava, por estar colada à porcelana da banheira encardida, ela tentava se soltar, mas só fazia piorar a situação.

Foi aí que peguei o microfone, dei dois toques e anunciei a próxima atração.

Como uma bolha de ar quente saí do ouvido de minha hospedeira, escorreguei para o piso, aonde todos os vultos me veneraram.

"É um prazer estar aqui nesta noite tão especial! Cada um de vocês está contemplando este ser... Esta obra...!" - os vultos colocaram a mão no peito, espantados pelo realismo.

A mulher se tremia inteirinha.

"Vou lhes contar a história deste artefato!" - eu disse entre uma interferência de microfonia e outra.

"Suzane Abreu... Uma mulher muito rica, que com sua incrível capacidade psicopata, matou e roubou cada um dos grandes e renomados autores e... Ou, seus representantes em vida... Roubou-lhes estas obras e as escondeu do mundo, para que elas ficassem para sempre mofando nesta casa velha e fora de moda! - os vultos gargalharam altíssimo, fazendo os ouvidos de Suzane sangrarem ainda mais - Mas, lhes digo, ainda mais! Ela também é uma obra destas de arte... Bem realista... Tão real e podre quanto cada ser humano que circunda pelo mundo... Tão podre quando o próprio estômago cheio de álcool e carne apodrecendo... A nova era da arte, o modernismo, nos permite interagir... Venham... Interajam... Ouvi dizer que ela ama mãos..." - induzi-os a participar daquele momento histórico da arte.

Um a um, os vultos se revelaram ser as esculturas, quadros, obras de arte que ela roubou e aprisionou por tantos anos, e lá estava pelas mãos de Renoir, Van Gogh, Picasso, Kahlo, Magritte e muitos outros, seus filhos que criaram vida, cada um tocando no corpo da mulher, apertando, batendo, beliscando, arranhando, deixando um pouco de tinta aqui, tirando um pouco de sangue ali, as criações logo começaram a delirar tanto quanto sua raptora e pularam na banheira

Iniciou-se um banquete, mãos, braços, pernas, narizes, dentes, todos devorando a ladra, uma sopa dentro da banheira.

Eu tirei algumas fotos deste dia memorável!

Após a amostra de arte e do banquete aluscinante, despedi-me de cada um dos vultos e sapateei feliz para fora daquela casa horrorosa.

No dia seguinte, ouvi uns boatos de que, tudo que os seguranças encontraram na casa, foram todas as obras quebradas e queimadas, para sempre perdidas no seio da história... E quanto à Suzane... Tudo que restou dela, foi uma pincelada de escarlate, no fundo da banheira com bordas de ouro.

Dizem que a procuram até hoje... Mas penso que a existência dela, foi muito superestimada, foi apenas um pingo de tinta, na imensidão do planeta Terra...

❖❖❖
Notas de Rodapé

Em breve, trarei esta exposição para a cidade novamente! Huhuhu

Apreciadores (3)
Comentários (3)
Postado 07/10/20 22:11

ESSA OBRA EXPLODIU A MINHA MENTE! Um misto de terror e pavor me tomou enquanto fazia a leitura. Você consegue mesmo nos conectar com as personagens e nos assombrar, mesmo após o término da leitura.

Obrigada por compartilhar conosco!

Parabéns, 6 ♥

Postado 08/10/20 16:58

Santíssimo Satã, estou muito impressionada com tudo isso aqui!!

Isso foi fantasticamente assustador!!

No começo pensei que ela colecionava fetos mortos dentro da banheira (e obrigada, irei escrever um texto sobre isso, você me inspirou kkkkk).

Mas não imaginei que seria uma exposição de artes desse porte!!

Parabéns, Sr. Assalto-Pesadelo!! Belíssima obra de arte o senhor criou!!

Um abraço <3

Postado 10/10/20 20:10

UAU! Que delícia foi essa?! Uau. Tiro meu chapéu imaginário e lhe faço uma reverência.

Ei, diz pra mim, isso foi uma referência ao filme Velvet Buzzsaw? Ou teve uma inspiraçãozinha? Porque, nossa, lembrou muito. A arte se revoltando contra sua exploradora.

Magnific! Meus parabéns. Eu cai na gargalhada de tanta alegria lendo.

A velhinha tomou bonito. Ksksks. Também me lembrou a hatsunimi miko. Ou sla como escreve. Na "alice suicide".

Uau. Esse aqui aqui elevou meu humor.

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