Uma criança no vazio, naquela escuridão, se balançava no balanço de madeira e cantava para a lua sem rosto, para as estrelas sem corpo e alma, enquanto cantava as flores se balançavam e se desfaziam, murchavam a a cada palavra dita, Lilith se perguntava onde estavão todos?
Que só desapareciam enquanto ela cantava.
O primeiro a sumir foi a mamãe, mamãe era má comigo, bebia um liquido estranho, ficava diferente, começava a dizer:
_ criança inutil, criança maldita, eu odeio você!
eu chorava, não entendia o que mamãe dizia realmente, mas via seu olhar bravo e isso me assustava, as vezes, ela decidia puxar meus cabelos, cortar a cabeça de minhas bonecas, me jogar contra a parede, cortar minhas pernas com lamina de barbear...
No dia seguinte, ela chorava de arrependimento, mas eu sabia que não podia perdoa-la.
Um dia, para alegra-la, decidi cantar para ela, e enquanto cantava eu a via sorrindo, na beira da sacada de casa.
Um empurrão meu, e mamãe havia desaparecido para sempre, só havia ossos e visceras lá em baixo.
Minha canção a fez dormir profundamente, e ela despertaria aonde o "cara lá de baixo" morava, espero que mamãe goste de dias quentes.
O próximo que sumiu, meu irmão mais velho, Mathias.
Ele roubava meus brinquedos, conseguia fugir das surras, me culpava, escondia meus sapatos para que eu fosse descalça para a escola, colocava chiclete no meu vestido e cabelo, uma verdadeira cobra do paraíso!
Mas quando mamãe chegava, ele me abraçava com força, apertava meus ossos até eles fazerem "creck", beijava de forma melosa, e dizia que eu era a melhor irmã, e ele parecia ser o melhor irmão, mas assim que mamãe se deitava, ele me jogava no chão, pisava em minhas mãos.
Até que um dia, decidi cantar para ele também.
"doce, doce irmão
mentiroso, maldoso
parece doce, mas é azedo como limão
sem querer, não quero que venha a me culpar
mamãe já está no caixão
então a quem irá contar?
e se eu te afogar na maquina de lavar?
ora, pare de tentar respirar
no fim, não haverá mais ar.
só agua e sabão.
e morreu, pobrezinho do meu irmão"
Quando os homens de farda chegaram, viram meu irmão roxo na maquina de lavar, a marca de sangue debaixo da sacada, mais que sacada genial! Eles notaram.
eu era uma cantora sem igual, chorei, e tentaram me acalmar, já na sala do interrogatório, começaram a me questionar
_ Lilith, onde estão seus pais? _ perguntou a moça sheriff.
_ Em uma viagem distante
_ E seu irmão?
_ acho que foi brincar na agua, não o vi esta manhã
Meu sorriso era franco, os olhos marejados, mas será que eram realmente lagrimas de tristeza? Ou apenas medo de cantar novamente?
A moça notou o problema, e não passou muito, homens de branco vieram me buscar, tentei esperniar, senti uma agulha me picar.
adormeci.
quando despertei, estava em um unico lugar, quadrado e sem forma, branco como cal, parecia o céu, só que menor.
tinha ali tudo que eu precisava, comida três vezes ao dia, uma cama, uma privada.
me sentia isolada
então sem ninguém, passei a cantar, e misteriosamente, anos depois, uma mágica aconteceu.
consegui sair daquele lugar.
agora estava novamente em minha casa, cheia de faixas amarelas de "não ultrapassar".
e todas as noites, ia para o balanço do jardim, e me balançava.
engraçado, ninguém mais vinha me infernizar.
Me tornei não Lilith
Mas a garota do balanço.
Aquela que ninguém conseguia chegar perto
a que se balançava, tentando alcançar o céu, um lugar para qual ela sabia...
que nunca iria.
Até lá, ela esperava enquanto se erguia aos céus...
esperava não ter que cantar de novo.