No meio de uma semana eu procurava por algo que nem eu sabia o que era ao certo. Faltando poucas horas para começar meu trabalho e já encantado com as descrições de prazeres dos usuários alheios, pensava em como aderir a essa prática, a esse culto. Levanto e saio da frente do computador, indo em direção da cozinha. Com a luz que já entrava pela janela, consigo escolher cuidadosamente qual lâmina iria usar. Penso que os batimentos acelerados de meu coração, toda aquela tensão fez com que nem chegasse a sentir dor, apenas um alívio ao remover cuidadosamente o polegar de meu pé esquerdo, mirando certeira na ligação da cartilagem entre os ossos, ao mesmo tempo que rompia nervos e veias. Sinto o sangue saindo ferozmente da ferida, molhando ao redor de meu pé, o que faz um calafrio subir por meu corpo. Meu pensamento é fixo no que estou fazendo, ignorando todos meus compromissos, preocupações. Direciono a lâmina para o indicador, batendo-a novamente, que deixa uma marca no chão gelado. Meu dedo rola até ao lado do polegar, então os junto com minha mão também encharcada de sangue, colocando ao lado. Aperto com firmeza o cabo da faca, sentindo leves deformações na região da pélvis, o que deixa minha respiração mais ofegante. Observo apenas mais três dedos restantes, impressionado com o tamanho prazer que aquilo me dava, e era apenas o começo. Aproveitando do tamanho da grande faca que peguei, decepo os três de uma só vez, caindo com o corpo para frente, apoiando minhas mãos na poça de sangue. Sento de bunda, transformando a cor clara de meu pijama em um vermelho escuro. Estico meu braço, que treme levemente, para agarrar os cincos dedos. Meu corpo vibra com o que é segurar os próprios dedos sem estarem fixos ao corpo, atrás de minha mão tenho a visão do meu pé vazio, tento mexer o que já não está mais lá, que me faz dobrar com o prestes orgasmo. Agora é o momento, mordo meus lábios, completamente sensível a qualquer sensação, e vou aproximando minha mão da boca, engolindo tudo de uma só vez e logo arriscando a primeira mordida. Usando a língua como referência, o primeiro aparenta ser o anelar, que logo quebra a unha, dando uma crocância única. Para não vomitar por possuir tanto em minha boca, mastigo com firmeza, forçando meu maxilar para quebrar os ossos, e engolir o que já estava moído o suficiente. Meu corpo se amolece, após ter tido o orgasmo e sensação de prazer mais intenso, algo que nunca provei com relações sexuais e masturbação. Bato a palma da mão no sangue, acariciando o chão molhado. A luz que iluminava toda a casa me faz levantar, indo me preparar para o trabalho, sem tomar um banho, apenas tirando a roupa encharcada de sangue e usando ela mesma para tirar todo o excesso, sabendo que o terno iria tampar praticamente todo meu corpo.
Enfrento a mesma rotina monótona de sempre, vendo meus colegas sorrindo falsamente, enquanto eu havia acabado de encontrar a razão de minha vida, a felicidade. Um sorriso surge em meu rosto, lembrando dos momentos anteriores, me deixando animado e relaxado, até que alguém aparece em minha cabine, saldando um bom dia e logo reparando em meus sapatos, dizendo que o estilo que usava era bem elegante. Eu confirmo seu elogio, sentindo um frio interno. O fato dele não ter noção do que havia ocorrido me faz provar de um prazer indescritível, palpitando em minha virilha. Levanto, passando com um toque em seu ombro, sorrindo alegremente. O resto de meu horário passei dentro do banheiro, tremendo de emoção para o que viria hoje á noite, incapaz de aguentar tudo isto em meio aos outros.
Após uma semana do fechamento das empresas devido ao estouro de uma pandemia global, o homem se entocava em casa, cada vez mais se vangloriando de suas realizações.
O meu monitor era a única luz que iluminava aquela escuridão imunda. Meus dedos feridos e melados digitavam ferozmente no teclado, procurando profundamente por mais. A atenção a minha pesquisa era absoluta, sequer apreciando o meu arredor. As paredes de meu quarto eram decoradas com cadáveres de cobras, todas penduradas por pregos e simbolizando o ouroboros, com seu rabo adentrando a própria boca, lembrança estética que veio junto da compra de minhas primeiras ferramentas. Também desenhei diversos brasões de ouroboros pela minha casa, agradecendo o congelamento aonde trabalhava, por não tomar mais meu tempo. Agora que cheguei ao ponto de devorar minhas pernas ficou difícil de me locomover pela casa e impossível de frequentar o serviço. Eu me sentia pronto e completamente determinado ao final, ao auge do prazer humano, minha alma pedia por tal, impossibilitando de dormir por dias. Finalmente chegando a grande hora, o que havia visto diversas vezes, enquanto procurava pela primeira vez, um sentido para minha vida na internet.
Não muito tempo depois sou colocado sobre a mesa de casa, forrado por plásticos, pelos doutores. Contratei-os de forma não lícita, através do mesmo lugar em que fui apresentado ao real sentido da vida. A pouca luz que me iluminava diretamente, permitia apenas ver suas máscaras e os olhares admirados, compartilhando do mesmo prazer que sentia. Com uma maestria espetacular começaram a cirurgia, digna de um banquete triunfal. O meu olhar cada vez se mostrava mais brilhante, até finalmente eles me abrirem por completo, no ponto decisivo. A ação era toda minha, se afastando da mesa para me dar o espaço necessário. Usando minhas próprias mãos que faltavam dedos, seguro aquele órgão pulsante, observando acima de meu rosto. Caso eu possuísse meu órgão genital ainda, desfrutaria de um orgasmo jamais descrito, além de todas as outras experiências passíveis de um ser viver. Vivendo o momento comigo mesmo, deixo os braços direcionarem meu coração a minha boca que se abre com imenso prazer. Os cirurgiões cruzam os braços satisfeitos com mais uma transcendência concluída. A eternidade acaba de começar.