Há um medo desumano que baila em mim.
Ele faz as minhas mãos tremerem constantemente e produz um suor descontrolado em meu corpo. Meu estômago revira ao imaginar os gritos raivosos deles e sinto as minhas pupilas escurecerem ao lembrar do engasgo sufocante dela. Tudo isso é sentido, enquanto mostro o meu melhor sorriso e as mais perfeitas ações, tentando sempre me recordar que o menor erro pode causar explosões nucleares em meu lar.
A ansiedade me consome na mesma medida que é o energético que move-me. É difícil manter o controle em meio a essa desordem emocional interna que designa a perfeição exterior, enquanto a minha vontade é de gritar até minhas cordas vocais romperem. Essa perfeição instigada pelo medo de tudo desabar, me ojeriza ao ponto de me causar náuseas.
[mas eu não posso mudar mais. meus erros já foram fatais]
Enquanto limpo a bagunça alheia e tudo reluz, sujo a minha alma com a mais perpétua escuridão ao engolir meus sentimentos e ignorar os traumas. [mas devo continuar carregando esse fardo]. Afinal, tudo o que aconteceu foi minha culpa. Meu pai bateu na minha mãe por minha causa. Todos da rua viram o que aconteceu por causa da minha falta de controle. Meus irmãos ficaram traumatizados, porque não fui capaz de conter toda dor que havia aqui dentro, após um ano inteiro intermediando brigas. Esse medo desumano me consome, porque preciso dele para me flagelar, como lembrete do que aconteceu.
[para lembrar que a culpa toda é minha].
Quando me olho no espelho e revivo milhões de vezes aquela cena em minha mente, um profundo arrependimento trava a minha garganta, porque se eu tivesse sido mais forte, nada daquilo teria acontecido.
[se eu tivesse agido de dada maneira, se eu tivesse usado outras palavras…
minha família não teria sido quebrada].
Entretanto, quando a racionalidade emerge, a verdade me lembra que o monstro não sou eu, mas que precisei me transformar nele. Alguém precisava arcar eternamente com as consequências daquele dia — que ainda existe em mim. O cheiro de cerveja no ar, o ódio em minha voz, a insanidade no seu olhar… como posso esquecer isso, pai?
[você sempre será o verdadeiro monstro embaixo da minha cama e dentro do meu coração].
Continuarei carregando esse fardo, porque a minha depressão me lembra que o esquecimento é sinônimo de fraqueza, mas a verdade é que essa dor é real demais para que eu simplesmente a esqueça. Isso não acontecerá, porque todas as vezes que me recordo de soltar ele, minha mente automaticamente me pune… Pois foi aí que ele te encontrou aos berros no portão pedindo ajuda e tentou te estrangular.
[como posso esquecer dos hematomas em seu pescoço?
como posso não me envergonhar de minha fraqueza?
como posso me perdoar por não ter protegido você, mãe?]
Sinto-me miúda demais visualizando toda essa tragédia. Nenhuma palavra conseguiria descrever o quanto, bem lá no fundo, me dói saber que me tornei carrasca de mim mesma; que eu faço os cortes, mas nunca as suturas, porque não me sinto merecedora; porque alguém precisa comportar dentro de si a dor de todas as pessoas dessa casa. Me sinto muito sozinha dentro dessa gritante dor. Essa angústia venenosa que insisto em beber, vem para me lembrar das súplicas que fiz e que não foram ouvidas, simplesmente porque eu mesma não as tirei de meu pensar por medo. Me tornei o monstro que agride, a vítima que grita, a criança que chora e os vizinhos que encaram tudo sem fazer nada, porque é necessário, porque meu maior obstáculo é tentar entender que todos seguiram em frente nesta história e apenas eu continuo a me forçar a mergulhar mais e mais nesse trauma em formato de ferida aberta.
[preciso me tornar o monstro, pois todos eles esqueceram que já o foram.
preciso eternizar a podridão deles, corroendo minha alma].
Quando o dia 17 de Agosto se aproxima, amaldiçoo mais um ano completo desde que meu pai agrediu a minha mãe e todos da rua viram o que aconteceu. Minhas mãos tremeram por 10 horas seguidas. Meus olhos ficaram tão inchados pelas lágrimas que não consegui piscar direito por um dia inteiro. Meu âmago nunca mais foi o mesmo, porque naquele dia entendi o significado de ter um coração partido. Amaldiçoo mais um ano em que ainda estou vagando pela Terra, sendo que tudo o que almejo é uma morte rápida, pois somente dessa maneira poderei encontrar descanso e abrir mão desse medo desumano. Suicídio não é uma alternativa.
[afinal, monstros não podem se matar, eles precisam ser mortos].
Então, caro leitor, tendo tudo isso em mente, você poderia me libertar e me matar?