Beautiful
Sorelly
Tipo: Roteiro (Cena)
Postado: 27/09/20 10:48
Gênero(s): Drama Reflexivo
Avaliação: 10
Tempo de Leitura: 6min a 8min
Apreciadores: 3
Comentários: 2
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Palavras: 1079
[Texto Divulgado] "Não Pare de Olhar" Uma mulher, isolada em seu apartamento, começa a acreditar que está sendo observada por alguém no prédio em frente. A paranóia começa a crescer levando o limite entre sanidade e loucura se tornar cada vez mais tênue.
Não recomendado para menores de doze anos
Notas de Cabeçalho

'Cause we are beautiful, no matter what they say

Yes, words won't bring us down, oh no

We are beautiful in every single way

Yes, words can't bring us down, oh no

So don't you bring me down today

( Beautiful – Christina Aguilera )

Capítulo Único Beautiful

CENA ÚNICA: INT. CONSULTÓRIO – TARDE.

Uma jovem entra no consultório e se senta no sofá. De frente a ela há um senhor de meia idade, sentado em uma poltrona com as pernas cruzadas e com um bloco de anotações apoiado na perna.

HOMEM: Boa tarde, Júlia. Quer me contar como foram essas últimas semanas?

JÚLIA: Um pouco estressante, confesso. Foi um pouco difícil concluir a lição de casa, mas acredito que fui bem. Nada de novo aconteceu, a mesma rotina desgastante de sempre.

HOMEM: E como foi lidar com eles durante o jantar?

Pausa. Júlia cruza suas pernas com os joelhos à frente do corpo, em posição de índio.

JÚLIA: Para ser sincera, eu acabei fugindo. Inventei uma desculpa qualquer para os meus pais e fiquei a noite inteira fora; não é como se eles não estivessem esperando por isso.

HOMEM: E por que fez isso? Pelo que me contou em nosso último encontro, essa reunião era importante e todos precisariam estar presentes.

JÚLIA: Mas quem ligaria para mim? Quer dizer, não faria muita diferença estar presente ou não.

HOMEM: E por que pensa assim?

JÚLIA: Eu não sou tão criativa como o meu irmão para criar propostas instigantes e desafiadoras, tampouco inteligente como meus pais para pensar em estratégias financeiras e marketing empresarial. Mal consigo raciocinar ou achar uma saída para os meus problemas, então para que passar essa vergonha quando posso poupar a todos da personificação do desastre que me tornei?

Silêncio. O homem de meia idade se levanta da poltrona indo em direção à mesa e pegando uma foto de uma menina sorridente. Ele entre à Júlia que pende a cabeça levemente para o lado, enquanto observa a foto com um semblante confuso.

HOMEM: Está vendo essa menina no balanço, sozinha? Sabe por que ela está isolada?

JÚLIA: Não.

HOMEM: É porque ela é estranhada e feia. Quero que a mentalize em sua frente, e a chame de feia, de gorda.

JÚLIA: O quê? Não!

HOMEM: Vamos, diga que ela é uma vergonha, que não possui nenhum valor e que é totalmente inútil. Olhe diretamente para os seus olhos, e diga que ela é um erro.

JÚLIA: Não, pare com isso!

Pausa. Júlia permanece sentada, porém coloca os pés no sofá para abraçar os joelhos, enquanto ainda observa a foto.

HOMEM: Se ela realmente estivesse aqui em sua frente, o que diria?

JÚLIA: Essa menina, eu não a conheço, mas ela é linda. Diria para não se importar com a opinião negativa dos outros, e que ela não é estranha. Diria que ela tem uma luz única dentro de si que jamais será apagada, algo que a torna única, especial. Eu diria que ela é linda, que nunca seria um erro, e que ainda há um futuro lindo pela qual vale à pena ela lutar.

HOMEM: Certo. Você acha que ela é feia e gorda?

JÚLIA: Não.

HOMEM: Acha que ela é um ser humano sem valor, inútil... Simplesmente um erro existencial?

JÚLIA: Não! Eu não acho! Por favor, pare...

HOMEM: Então por que faz isso consigo? Pois é isso que você diz toda manhã a você mesma quando se olha no refletida no espelho.

Silêncio. O homem pega a foto das mãos de Júlia, recolocando-a novamente em cima da mesa. Senta-se na quina da mesa, cruzando os braços.

HOMEM: Você é extraordinária, Júlia. Talvez agora não consiga enxergar o tamanho da sua capacidade, mas espero que quando finalmente conseguir olhar para si sem nenhum resquício de inferioridade, compreenda todo o seu potencial escondido nessa muralha que você criou em sua mente. Mas eu sei que ainda há muito o que ser trabalhado, então para começarmos, que tal você enumerar em uma folha de papel todas as suas conquistas? Sejam elas pequenas ou não. Traga para a próxima consulta, por gentileza.

JÚLIA: Eu... Tudo bem. Obrigada.

Júlia solta os joelhos e se levanta, com uma expressão pensativa.

HOMEM: E, Júlia? Gostaria que refletisse um pouco sobre o que falamos hoje. Principalmente sobre como você se vê no espelho. Muitas vezes a nossa mente tende a criar situações ilusórios e achismos infundados na tentativa de nos aprisionar, quando a realidade pode ser muito diferente do que pensa.

JÚLIA: Farei isso, obrigada.

Júlia vai em direção à porta, porém para antes de abri-la, com a mão ainda envolta da maçaneta.

JÚLIA: Posso te perguntar algo? Uma pergunta meio antiprofissional, eu acho. Vou entender se não quiser responder.

HOMEM: Pergunte.

JÚLIA: Quem era a menina da foto que me mostrou?

Silêncio. Júlia ainda se encontra de frente à porta. O homem suspira, pegando a foto da menina e observando-a, com um sorriso triste no rosto, ainda sentado na quina da mesa.

HOMEM: Era a minha filha. Nessa foto ela tinha por volta de sete anos. Era linda, com uma alma bondosa demais para esse mundo, mas a sociedade é cruel demais para quem não se encaixa nos estereótipos que ela impõe. Apesar de estar bem acima do peso ela era saudável, e todo dia dizíamos o quanto ela era linda e única. Mas as coisas foram piorando, o bullying que sofria era incessante e cada vez mais intenso, não importando quantas vezes interferíssemos ou mudássemos de lugar. Até o momento que ela parou de contar as coisas, e esse foi o meu pior erro: acreditar que tudo tinha se resolvido. Ela faria 22 anos mês que vem, mas infelizmente há seis anos nós a perdemos... Eu a perdi, para sempre.

JÚLIA: Eu sinto muito, eu só...

A voz de Júlia vai sumindo, enquanto ela vira a cabeça para o homem, com os olhos marejados na tentativa de segurar o choro.

HOMEM: Tudo bem, Júlia. Ainda dói e sempre vai doer, mas falar dela me traz uma sensação de conforto. É por isso que eu quero que você viva. Viva intensamente, sem se preocupar com a opinião dos outros. Trace um sonho e lute por ele. Você é muito mais do que a sua mente questiona. Leve o tempo que for para se reerguer, porém nunca desista. Nunca desista de quem você quer ser, de quem você é, e principalmente, nunca desista da sua vida. Porque quando você desiste do mundo, da vida, as piores consequências ficam para aqueles que sobreviveram para vivenciar o luto.

O homem vai em direção a Júlia, colocando uma mão no ombro dela, em sinal de conforto.

HOMEM: Você é perfeita do seu jeito, Júlia. Nunca deixe alguém te dizer o contrário, principalmente você mesma.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Lembre-se: você é importante! Não se deixa levar pelos outros, foque em quem te ama e está junto contigo.

A vida vale à pena, e você merece viver ♡

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Postado 27/09/20 14:07 Editado 27/09/20 14:08

Vale ressaltar que estamos no mês do famoso "Setembro Amarelo". Um mês é muito pouco para tentar combater pensamentos que rondam nas mentes de muitos durante meses e anos.

"Porque quando você desiste do mundo, da vida, as piores consequências ficam para aqueles que sobreviveram para vivenciar o luto."

De fato, há um certo egoísmo na mente de quem pensa em suicídio, mas há um egoísmo ainda maior nas pessoas que estão ao redor, que conseguem visualizar que há determinado tipo de pensamento e em vez de oferecer ajuda, vivem suas vidas como se não houvesse amanhã. E de fato, para eles é como se não houvessse mesmo amanhã (isso metaforicamente falando).

Agora para alguém que cogita o suicídio, o amanhã de fato não existe. E isso é insanamente triste.

A sociedade é o problema? As pessoas? A falta de amor? O esteriótipo? O padrão? Tudo isso e mais um pouco. Nós mesmos?

Nunca saberemos a total causa de um pensamento tão horrível como este, mas sempre poderemos fazer algo para tentar mudá-lo.

Enfim, muito obrigada por compartilhar conosco!

Postado 27/09/20 22:39

Que comentário mais perfeito o seu! Não sei nem o que dizer, fico feliz que tenha pego a mensagem do roteiro.

Realmente, há um certo egoísmo dos dois lados. Entretanto, os sinais sempre estão presentes, nem sempre tão visíveis quanto aparenta. Mas sempre estão lá. E qualquer situação, palavra ou gesto, pode ser um gatilho para o suicídio.

Obrigada pelo comentário, moça ♡

Postado 27/09/20 23:17

Eu que agradeço. De verdade.

Seu texto é necessário. Eu digo, pois eu fui uma dessas pessoas. Por muitos anos e eu precisei entender isso da pior forma. Mas existem pessoas que podem e devem entender isso de uma forma diferente. De uma forma "melhor", o quanto antes possível, de preferência.

Um mês não pode restaurar o que é construído por um bom tempo. O pensamento suicida não surge do nada, então ele também não irá sumir do nada e quando o Homem do texto fala e pede a moça para reproduzir o discurso que ela faz consigo mesma há tempos, foi o baque que eu recebi. Porque eu fazia isso. De vez em quando ainda faço e espero que agora eu possa parar.

Por que quando olhamos para os outros vemos dignidade, mas somos incapazes de ver a mesma dignidade da mesma intensidade em nós mesmos? Por que nos depreciamos tanto a ponto de nos odiarmos? Por que precisamos fazer isso conosco?

Eu amei esse texto e espero de verdade que ele alcance o máximo de pessoas possível porque eu acredito na capacidade de mudança que ele tem. Na capacidade de alertar ao que realmente importa. Esse é o texto que as pessoas suicidas, depressivas, ansiosas precisam ler. Não apenas um "Tudo vai ficar bem", mas um "Acorda, ainda há luz lá fora, mas também há luz aqui dentro". Demora, mas vem. É um trabalho de casa eterno, mas aos poucos ameniza. E isso que realmente importa.

Vou parar agora, mas eu realmente quero agradecer por esse texto. De verdade. Muito obrigada por compartilhar conosco <3

Fique bem!

Postado 28/09/20 01:08

A importância desse roteiro é de escala mundial. O amor próprio é algo muito difícil de se lidar, pois constantemente tudo nos diz que não somos suficientes. Mas nós somos. À nossa maneira, com o nosso jeito, com as nossas manias... Tudo que nos compõe faz parte da incrível arte humana da singularidade.

A trama por traz da narrativa me deixou muito emocionada, principalmente nessa parte final. Você sabe muito bem utilizar as palavras e fazer o leitor aprender por meio delas. Terminei a leitura querendo me amar mais.

Obrigada por compartilhar conosco!

​Parabéns, Pãozinho ♥

Postado 04/10/20 18:02

É exatamente isso! Seu comentário resume tudo o que o texto quis expressar.

Muito obrigada, Brina ♡