Refez mentalmente a entrevista na agência especializada em turismo ufológico enquanto acendia a boca do fogão para ferver água, o saquinho de chá já na xícara. No começo achou que era um golpe, o impulso natural diante de um fato incomum como atividade remunerada.
Aguardou a recepcionista terminar a ligação, lembrou do anúncio no jornal no canto inferior da página de classificados, “agência de turismo contrata” em caixa alta com um número para contato. Haveria demanda real para esse serviço, se questionou enquanto relaxava o corpo na cadeira acolchoada, um copo de plástico com água fria na mão direita. O dinheiro para pagar o anúncio e o aluguel dessa sala comercial certamente existia, concluiu. Jogou o copo vazio no lixo ao lado do filtro.
Depois de uma breve troca de olhares com a recepcionista levantou-se e caminhou em direção ao corredor. Nessa troca silenciosa fez a leitura labial de um desejo de boa sorte e a indicação de que se tratava da sala onde faria a entrevista. Apesar de se sentir deslocada achou o ambiente agradável. Algumas miniaturas de ÓVNIS e um mapa político do Brasil pendurado na parede decoravam a sala, sentiu como se estivesse entrando no quarto de um adolescente apaixonado por teorias da conspiração.
O som agudo da chaleira trouxe ela de volta ao apartamento. Despejou a água quente na xícara com desenhos de vaquinhas e colocou o restante na garrafa térmica. Segurou a xícara com as duas mãos para espantar o frio que acompanhava o início da noite, a garoa se transformara em chuva, viu pela janela. Em uma coincidência bizarra, o interfone tocou quando terminou o chá.
- Boa noite dona Beatriz – o porteiro disse num tom amistoso.
- Boa noite, tudo bem?
- Tudo sim, aqui na portaria tem uma moça chamada Milena com uma periquita numa gaiola. Foi ela que disse que é uma periquita e não um periquito. Deixo subir?
- Deixa sim, é uma amiga minha – respondeu confusa.
Porra de periquita, pensou enquanto colocava o interfone no gancho.