Existem momentos em que sinto dentro de mim um lugar além de todas as feridas e memórias de feridas. Existem segundos em que não vivo como agora vivo ou sempre vivi, assim tão acabado e deformado: instantes de um futuro impossível em uma dimensão igualmente impossível, tão eterno quanto apenas o nada pode ser, tão puro de qualquer coisa quanto toda a imaterialidade de cada sensação que nunca passou da pretensão de uma sensação…
Sim, eu sinto aquele outro lugar; longe, tão longe… Lar de criaturas maiores que sonhos e paisagens que jamais poderiam existir sequer nos mais elaborados delírios de meus eus inventados.
Onde as próprias rochas cantam com a emoção de suas inumeráveis cores sem propósito, onde o ar não é nem nunca foi respirável e ainda assim é vida e é vivo e é um com a própria luz de mil sóis que não queimam e jamais queimaram, e sim apenas cintilam com seu ardor de uma candura ilimitada e risonha.
Onde corpos feitos do puro pó de brilhos intocáveis se unem e se separam segundo as músicas compostas por anjos tão entediados quanto enamorados; onde um mar de lágrimas se desfaz e refaz em cada suspiro de cada alma que se abençoa e reabençoa seu espaço ilimitado, de falsidades ou não, pois tudo é igualmente indiferente e perfeito na indiferença de cada suspiro ou imaginação de suspiro.
Sim, eu sinto aquele outro lugar… o leste para leste de tudo, onde as montanhas se elevam umas sobre as outras em rituais que nunca cessam — onde elas perfuram e encantam paraísos que caem alegremente sobre os universos inventados de cada coração que de agora em diante nunca mais será devorado por seus demônios ou os demônios de outros corações já tão inocentes quanto.
O lugar do desfalecimento delicioso de deuses sem forma e sem angústias; de sentimentos sem peso e sem consequência; de intermináveis ciclos de um êxtase sem dominadores e sem fins…
Um céu além do céu, no centro e além de tudo. Uma bela mentira pela qual viver ou fingir que se vive, se jamais houve alguma…