O leste
Calígula
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 14/09/20 15:12
Editado: 14/09/20 15:12
Gênero(s): Reflexivo
Avaliação: 9.72
Tempo de Leitura: 2min
Apreciadores: 6
Comentários: 4
Total de Visualizações: 666
Usuários que Visualizaram: 8
Palavras: 351
Livre para todos os públicos
Notas de Cabeçalho

https://www.youtube.com/watch?v=nx5ozXo9alQ&ab_channel=PabloSebasti%C3%A1n

Capítulo Único O leste

Existem momentos em que sinto dentro de mim um lugar além de todas as feridas e memórias de feridas. Existem segundos em que não vivo como agora vivo ou sempre vivi, assim tão acabado e deformado: instantes de um futuro impossível em uma dimensão igualmente impossível, tão eterno quanto apenas o nada pode ser, tão puro de qualquer coisa quanto toda a imaterialidade de cada sensação que nunca passou da pretensão de uma sensação…

Sim, eu sinto aquele outro lugar; longe, tão longe… Lar de criaturas maiores que sonhos e paisagens que jamais poderiam existir sequer nos mais elaborados delírios de meus eus inventados.

Onde as próprias rochas cantam com a emoção de suas inumeráveis cores sem propósito, onde o ar não é nem nunca foi respirável e ainda assim é vida e é vivo e é um com a própria luz de mil sóis que não queimam e jamais queimaram, e sim apenas cintilam com seu ardor de uma candura ilimitada e risonha.

Onde corpos feitos do puro pó de brilhos intocáveis se unem e se separam segundo as músicas compostas por anjos tão entediados quanto enamorados; onde um mar de lágrimas se desfaz e refaz em cada suspiro de cada alma que se abençoa e reabençoa seu espaço ilimitado, de falsidades ou não, pois tudo é igualmente indiferente e perfeito na indiferença de cada suspiro ou imaginação de suspiro.

Sim, eu sinto aquele outro lugar… o leste para leste de tudo, onde as montanhas se elevam umas sobre as outras em rituais que nunca cessam — onde elas perfuram e encantam paraísos que caem alegremente sobre os universos inventados de cada coração que de agora em diante nunca mais será devorado por seus demônios ou os demônios de outros corações já tão inocentes quanto.

O lugar do desfalecimento delicioso de deuses sem forma e sem angústias; de sentimentos sem peso e sem consequência; de intermináveis ciclos de um êxtase sem dominadores e sem fins…

Um céu além do céu, no centro e além de tudo. Uma bela mentira pela qual viver ou fingir que se vive, se jamais houve alguma…

❖❖❖
Apreciadores (6)
Comentários (4)
Postado 15/09/20 22:39

Muito me encanta poder ler sobre tal lugar dentro de você!

E me pergunto: quantos lugares ocultos não temos dentro de nossos seres? Quantas maravilhas (como seu texto) podemos extrair desses diversos universos não explorados? É preciso ter muita coragem para olhar para lugares que nunca foram olhados, principalmente quando os mesmos se encontram dentro de nós.

Meus parabéns, fiquei extremamente encantada com suas palavras, adorei!

:)

Postado 25/09/20 00:14

A sua escrita é encantadora e marcante. É impossível ler uma obra sua e continuar sentindo ou pensando as mesmas coisas depois. Suas palavras moldam novas ideas na mente do leitor com maestria e genialidade.

O leitor se sente acolhido dentro das descrições deste outro lugar. Um lugar desconhecido, mas que conhece-se tão bem; um lugar distante, mas, ainda assim, tão próximo; um lugar que cabe na memória, mas que transborda nas palavras... Seu conto me lembrou de um poema de Bukowski que diz que há um lugar no coração que nunca será preenchido/ [...] e nós iremos esperar/ e esperar/ neste lugar. Sinto que todos nós temos um lugar ao qual queremos retornar e enquanto esse retorno não acontece, nós esperaremos e esperaremos...

Obrigada por compartilhar essa obra que transborda lirismo e reflexão conosco!

Parabéns, Pablo ♥

É sempre muito bom poder ler suas obras ;)

Postado 14/02/21 02:39

Meu Mestre/Irmão... Eu não posso descrever o que senti ao ler teu texto maravilhoso, é como se suas palavras me fizessem ter um vislumbre fugaz do lugar após todos os lugares, o meu paraíso perdido e escondido no cerne do Inferno, proibido de ser acessado, mas ao mesmo tempo ansioso por ser encontrado de algum modo por mim...

Isso me deixou tão feliz por um momento... E tão triste agora...

Mas, eu te agradeço por isso, meu velho... De todo o restante desse lixo rançoso que palpita agonizante dentro de mim.

Muito obrigado...

Atenciosamente,

um ser que vaga perdido de lugar em lugar sem nunca ter chegado de fato a lugar algum, Diablair.

#AD04

#MestreIrmão4ever

Postado 26/09/21 21:34

Sr. Calígula, que texto incrível!!

É um sentimento muito estranho esse que surge em nós assim, nos fazendo enxergar coisas tão além de nós.

"luz de mil sóis que não queimam e jamais queimaram, e sim apenas cintilam com seu ardor de uma candura ilimitada e risonha" - essa foi a minha frase preferida, pois eu achei ela extremamente triste...

Parabéns por sua escrita tão maravilhosa <3

Um grande abraço!