Era uma manhã como mil outras, escura como breu, por causa do maldito horário de verão. Como odiava acordar tão cedo e dormir tão tarde porque seu relógio biológico não se adequava às leis dos políticos...
Pior, é que tudo isso interferia em seu trabalho!
Precisava ser preciso, exato e atento, ainda mais agora que fora promovido...
Três conduções até o local de trabalho, desejava morar mais perto do trabalho, mas a velha casa dos pais, ainda que há mais de um ano enlutada, ainda era seu refúgio...
Depois da tragédia se viu lendo os livros da mãe, como doía a falta dela, seu jeito risonho, romântico, tranquilo...
O pai já estava em si presente, todo dia ao olhar-se no espelho via-o a encarar e julgar com toda a frieza que continuava presente mesmo após a morte...
Não era má pessoa, só não sabia demonstrar amor como a mãe. Seus castigos eram duros, cruéis até e suas palavras finas e certeiras cortavam a alma como um bisturi e corroíam o ser como ácido.
Entretanto fizera de tudo para dar-lhe um futuro, e, quando se dispôs a ser químico, o pai até se sentou e estudou com ele nos momentos de maior desânimo...
Estudar com o pai na cola, era quase um martírio, mas garantiu-lhe escapar de uma DP quase inevitável...
E chegou a formatura e a festa e os amigos... O pai e mãe resolveram ir embora por volta das três e ele ficara para conversar com seus professores, praticamente não fizera muitos amigos...
Já saindo da festa, dentro do táxi, um telefonema, era do celular do pai.
Já sabia que vinha aquele sermão sobre responsabilidade e horários e...
Voz desconhecida, gélida! Acidente na serra?! Qual hospital?
Mandou que o táxi mudasse o rumo, chegou tarde demais, nem se despediu...
No enterro caixões fechados, não havia como ver tal fora a desgraça da tragédia! Perda total do carro, corpos desfigurados e ele só, sem ver futuro para si...
No estágio todos foram solidários e ele enterrou a cara no trabalho para esquecer a sua dor...
Chegava em casa moído, fazia um pouco de exercícios para desestressar, tomava um banho, engolia algo e dormia profundamente sem sonhos nem nada.
Seu esforço fora reconhecido! Contratado, seis meses como auxiliar dos assistentes, depois subiu a assistente e agora, finalmente pesquisador!
Era talentoso, quase genial, alguns ousavam dizer e depois dessa promoção começava a vislumbrar um futuro...
Naquele dia, como mil outros, algo inesperado aconteceu.
Uma moça toda atrapalhada com livros e o celular na mão tropeça num buraco e cai em cima dele!
Nada poderia ser mais clichê! Ele que já estava irritado, soltou um monte de palavrão.
A moça sem graça, geme tentando se levantar:
_Nossa, não é prá tanto...
Aí ele percebe como fora bruto e a ajuda a recolher os livros.
Ela magoada:
_Não precisa! Desculpa ter caído em você!
O ônibus chega e nem mais uma palavra.
Chega no trabalho mais mal humorado do que de costume, vai ao vestiário e se paramenta de acordo com todos os protocolos da pesquisa.
Começa lendo os relatórios dos últimos resultados, a pesquisa agora tomava um outro rumo, iriam manipular uma planta já bem conhecida, mas de uma nova maneira, aquilo era instigante...
Haveria reunião para apresentação do projeto na manhã seguinte.
Seu dia correu tranquilo, conheceu seus novos estagiários, mostrou a empresa, pois lhe delegaram essa tarefa.
Como o irritava a ideia de ser guia turístico! Odiava ter que ficar falando, explicando e se esforçando para parecer simpático e interessado. Que mandassem um auxiliar fazer isso, afinal, agora não era um pesquisador?!