a dor não bate, ela espanca. incansavelmente. o tempo inteiro. mesmo quando sorrio, ela está lá. mesmo quando não sinto, ela está aqui. e para onde ela iria? nem mesmo ela sabe a saída em meio a essa bagunça de lágrimas e tristeza.
o motivo da tristeza de hoje é tão pequeno que não me cabe. é vergonhoso dizer o motivo, mas ele parece doer mais do que um tiro. é um sufocamento de sofrimento que minha garganta dói, como se eu mesma estivesse a me enforcar na tentativa de calar a aflição que não pode ser dita em voz alta. e é calando a voz que eu calo as lágrimas, pois sou do tipo de pessoa que precisa verbalizar a dor para ela escorrer pelos olhos. no silêncio ela não existe.
o sereno faz barulho lá fora. corro na tentativa de tocar uma possível investida de chuva, como se as lágrimas guardadas nos meus olhos fossem, de alguma maneira, cair do céu. mas tudo o que sinto é uma garoa fina quase inexistente. ela é miúda como eu. se escondendo em enormes nuvens cinzas, pois é naquela escuridão que ela se sente acolhida e muito pequena. é lá que ela é verdadeira. assim como eu.
a dor diminui um pouco por conta da identificação, mas ainda é latente. tento memorizar todas as palavras ditas até agora. talvez dê um bom poema triste. mas a minha mente me engana e, agora, já não lembro do que pensei a um segundo atrás. as palavras poéticas se perderam na minha confusão interna, assim como a dor, e passarão a fazer parte da minha alma na tentativa de fechar os buracos que eu intencionalmente fiz. em mim.
só que aí eu abro a geladeira e vejo o feijão que trouxe da sua casa. de repente a dor se debate e se aquieta, ao mesmo tempo, dentro de mim. como se esse alimento cheio de lembranças fosse e cruz e a benção. de repente as lágrimas ficam grandes demais na minha miudeza e elas querem desesperadamente cair diante do feijão que sua mãe fez, das risadas que demos depois de comê-lo sentados no chão do seu quintal, das carícias trocadas dentro do seu quarto, do passeio simples que fizemos para olhar coisas que não poderíamos comprar enquanto vestíamos nossas melhores roupas e da brisa fria da geladeira que gelava a minha dor tão quente.
Eu quero ser grande como sou nessas memórias bonitas que criamos juntos. Por isso quero chorar. Porque eu sou muito real quando estou com você...